Velho navio


Velho navio, enferrujado e açoitado pelas intempéries
dos oceanos.

Cúmplices, dividimos apreensões, alegrias e tristezas
na esperança de, juntos, superarmos com nobreza
desafios jamais imaginados.

Inspiração de um amor estranho e incompreensível aos
que não se aventuram pelos mares bravios, consigo sentir
o pulsar da sua alma, mesmo nos momentos de calmaria.

Coração ritmado pelas inconstâncias do mar, alterna suaves
cânticos das noites estreladas com fortes e sofridos lamentos
dos dias de tempestades.

Diminuto ponto que pulsa a vagar pela imensidão do mar...

Longe do fausto luxo dos transatlânticos, no suave brilho da
luz dos crepúsculos, pensativo e solitário, busco as doces
ondas de amor que afoguem incontornável vazio.

Casco enferrujado e fustigado pelo vento cruel e constante do
mar já sente, resignado, o inevitável canto do adeus.

Enciumado me observa, amarrado ao cais, retornar das longas
noites de prazer marcadas por perfumes misteriosos e juras de
amor eterno. Estas, sempre renovadas na envolvente
penumbra
dos bordéis, mas esquecidas na confirmação da partida...

Triste adeus quando, subjugados aos desígnios do acaso,
forças do destino nos induzem à separação.
Pelo longo e sufocante apito, o derradeiro lamento é envolvido
por contrita emoção que percorre minha alma.

Mudo, do cais observo, já saudoso, a sua lenta partida. Antigos
sentimentos tentam inutilmente segui-lo, mas a linha do
horizonte
se fecha num lacônico adeus...

Domingos Alicata
Rio de Janeiro - RJ - 22/11/2004




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