Olhar pensativo
guia, pelo espelho, mãos
envelhecidas e lentas, conformadas com a
rotina da vida. No rosto amoldam-se cores
diversas espalhadas com os dedos já trêmulos.
Nariz vermelho.
Branca pasta busca
caricaturar boca e olhos envolvidos
por grossos traços de lápis preto que,
inutilmente, tentam limitar o infinito sorriso.
Alta gola,
branca e dura, que comicamente
se move, esconde o enrugado pescoço
aprisionado por desproporcional gravata.
A calça, larga e
colorida, por um suspensório
se juntará à caricata figura. Sapatos enormes,
que deixam o seu eco ao andar, terão a companhia
da inseparável bengala. Finalmente a penúltima
peça. O chapéu.
A bandinha
inicia aquela música ligeira
que, como um hino à alegria, anuncia o
início do largo sorriso. A alma lúdica, sua
última e principal peça, incorpora-se
emocionada àquele mágico momento.
A cortina se abre!!!
Em êxtase ele
circula pelo picadeiro
arrancando gritos a aplausos incontidos
da gurizada. Uma energia fantástica o
domina e a luz dos refletores acentua
suas vivas cores. Ofegante, imprime ritmo
incomum ao espetáculo. O público, arrebatado,
ri e aplaude o irrepreensível desempenho.
Minutos
resumem-se a parcos segundos.
A intensidade da luz não permite que
enxergue com nitidez a plateia unida
em um único e sincero delírio.
Uma lágrima
rompe sua densa emoção e,
num comovente percurso, desce lentamente
pela face. Abre um sulco na branca pintura,
desliza pela gola, toca seu enorme sapato e,
desfalecida, cai no picadeiro...
A energia agora
o trai. A volta acelerada para
o camarim é substituída por lentos passos até
que o limite do palco o resgata.
A cortina se
fecha.
O show terminou...
Na solidão da
imagem repete, ainda emocionado,
o ritual inverso. O espelho, pesaroso, o devolve
ao indesejado mundo real...
Lentamente a
criança se despede e o homem,
amargamente, retorna à insensatez da razão.
Domingos Alicata
Rio de Janeiro - RJ - 02/01/2005
Fundo Musical: Luzes da Ribalta (Charles Chaplin) - Gheorghe Zamfir |