Recebi em 14/12/2024 |
Sempre tive, para mim, que a poesia convencional poderia ser incluída na já tão conhecida escala social. Ora, sendo assim, tomemos, por exemplo, o soneto, o rei da poesia. Peitilho branco, bem engomado, laço e casaco preto, com o à vontade, a cortesia e a desenvoltura do predestinado, passeia-se pelos vastos salões, em festas ou reuniões para que foi convidado. Com sua voz de tenor, no silêncio, faz-se ouvir, versos que diz, com amor, para, então, logo a seguir, rodopiar, no salão ao som duma valsa bela e, terminada a sessão, com ousadia atrevida, beijar, numa despedida, a mãozinha da donzela. Abordemos agora a quintilha que, com a sextilha, sua prima muito chegada, fazem parte duma poesia que nada, mesmo nada, afasta da burguesia. São cantares ditos por todo o lado, podem ser familiares, ou serem amigos do fado e andar pela Mouraria. Um verso de qualquer forma sem seguir uma regra ou norma, mas num poema sincero de fé e honestidade, poderá ser, na verdade, uma pertença do clero. Musicado e, em conjunto, bem cantado, é ladainha de refrão, ou então, agarrado por um decano que o queira trabalhar, pode-se ainda transformar num canto gregoriano. Eis a quadra, finalmente, a mais plebeia poesia que tem sempre um cantar novo e anda na boca do povo noite e dia. Chamam-lhe a canção rasca porque salta de tasca em tasca, frequenta o bailarico, é freguesa de arraiais e, nos vasos do manjerico, pode até ver-se demais. A quadra a valer, apresenta-se tão afinada que tanto pode ser balada como canção de mal dizer, e, corrida, povo afora, na boca de toda a gente, também é, a qualquer hora, a crítica ao dirigente. Por tudo isto, não resisto em afirmar, afinal, que, como de início dizia, também tem a poesia uma escala social. António Barroso (Tiago) ![]() |