Declaração de bens

Recebida em 03/08/2007

 

“O pai moderno, muitas vezes perplexo, aflito, angustiado, passa a vida inteira correndo atrás do futuro e se esquecendo do agora. Na luta para edificar este futuro, ele renuncia ao presente. Por isso, é um homem ocupado, sem tempo para os filhos, envolvido em mil atividades - tudo com o objetivo de garantir o seu amanhã.

E com que prazer e orgulho, cada ano, ele preenche sua declara-ção de bens para o Imposto de Renda. Cada nova linha acrescida foi produto de muito esforço, muito trabalho. Lote, casa, aparta-mento, sítio - tudo isso custou dias, semanas, meses de luta. Mas ele está sedimentando o futuro de sua família. Se ele parte um dia, por qualquer motivo, já cumpriu sua missão e não vai deixar ninguém desamparado.

E para ir escrevendo cada vez mais linhas na sua relação de bens, ele não se contenta com um emprego só - é preciso ter dois ou três; vender parte das férias, em vez de descansar junto à família; levar serviço para fazer em casa, em vez de ficar com os filhos; e é um tal de viajar, almoçar fora, discutir negócios, marcar reuniões, preencher a agenda - afinal, ele é um executivo dinâmico, faz parte do mundo competitivo, não pode fraquejar.

No entanto, esse homem se esquece de que a verdadeira declara-ção de bens, o valor mais alto, aquele que efetivamente conta, está em outra página do formulário do Imposto de Renda - mais precisa-mente, naquelas modestas linhas, quase escondidas, onde se lê “relação dos dependentes”. Aqueles que dependem dele, os filhos que ele colocou no mundo, e a quem deve dedicar o melhor de seu tempo.

Os filhos são novos demais, não estão interessados em lotes, casas, salas para alugar, aumento de renda bruta - nada disso. Eles só querem um pai com quem possam conviver, dialogar, brincar.

Os anos vão passando, os meninos vão crescendo, e o pai nem per-cebe, porque se entregou de tal forma ao trabalho - vulgo constru-ção do futuro - que não viveu com eles, não participou de suas pequenas alegrias, não os levou ou buscou no colégio, nunca foi a uma festa infantil, não teve tempo para assistir a coroação da me-nina - pois um executivo não deve desviar sua atenção para essas bobagens. São coisas de desocupados.

Há filhos órfãos de pais vivos, porque estão “entregues” - o pai pa-ra um lado, a mãe para o outro, e a família desintegrada, sem amor, sem diálogo, sem convivência. E é esta convivência que solidifica a fraternidade entre os irmãos, abre seu coração, elimina problemas, resolve as coisas na base do entendimento.

Há irmãos crescendo como verdadeiros estranhos, porque correm de um lado para o outro o dia inteiro - ginástica, natação, judô, balé, aula de música, curso de Inglês, terapia, lição de piano, etc. - e só se encontram de passagem em casa, um chegando, o outro saindo. Não vivem juntos, não saem juntos, não conversam - e, para ver os pais, quase é preciso marcar hora.

Depois de uma dramática experiência pessoal e familiar vivida, a única mensagem que tenho para dar - e que tem sido repetida exaustivamente em paróquias, encontros familiares, movimentos e entidades - é esta: não há tempo melhor aplicado do que aquele destinado aos filhos.

Dos 18 anos de casado, passei 15 anos correndo e trabalhando, ab-sorvido por muitas tarefas, envolvido em várias ocupações, total-mente entregue a um objetivo único e prioritário: construir o futu-ro para três filhos e minha mulher. Isso me custou longos afasta-mentos de casa, viagens, estágios, cursos, plantões no jornal, ma-drugadas no estúdio da televisão, uma vida sempre agitada, atare-fada, tormentosa, e apaixonante na dedicação à profissão escolhi-da - e que foi, na verdade, mais importante do que minha família.

E agora, aqui estou eu, de mãos cheias e de coração aberto, diante de todos vocês, que me conhecem muito bem. Aqui está o resulta-do de tanto esforço: construí o futuro, penosamente, e não sei o que fazer com ele, depois da perda do Luiz Otávio.

De que valem casa, carros, sala, lote, e tudo o mais que foi possí-vel juntar nesses anos todos de esforço, se ele não está mais aqui para aproveitar isso com a gente?

Se o resultado de 30 anos de trabalho fosse consumido agora por um incêndio, e desses bens todos não restasse nada mais do que cinzas, isso não teria a menor importância, não ia provocar o me-nor abalo em nossa vida, porque a escala de valores mudou, e o dinheiro passou a ter um peso mínimo e relativo em tudo.

Se o dinheiro não foi capaz de comprar a cura e a saúde de um filho amado, para que serve ele? Para ser escravo dele?

Eu trocaria - explodindo de felicidade - todas as linhas da declara-ção de bens por uma única linha que eu tive de retirar, do outro lado da folha: o nome do meu filho na relação dos dependentes. E como me doeu retirar essa linha na declaração de 1983, ano base de 82.”

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Texto extraído do site www.velhosamigos.com.br, e que é
atribuído a Hélio Fraga, jornalista em Belo Horizonte-MG.
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Redação do Momento Espírita
www.reflexao.com.br

Fundo Musical: Cuando un amigo se va - Alberto Cortez
 

 
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