Pode-se despedir alguém por não sorrir?


      O despreparo de chefes e encarregados, provocam injustiças ir-reparáveis.

      Minha amiga, portadora de deficiência auditiva profunda, tra-balhou por um ano e meio numa indústria de cosméticos.
      Todos os dias saía de casa de madrugada, tomava o ônibus da firma às quatro horas e batia o ponto às seis horas.
      Em certa ocasião ela veio à minha casa e chorando me disse que havia sido despedida. Dizia, ainda, que não fizera nada de errado, que nunca faltara ao serviço, nem, muito menos, chegara atrasada; que não tinha ideia porque fora dispensada. Inconsolável pediu para que eu voltasse à firma com ela.
      Ao chegamos lá, ela me apresentou à sua chefe, que há apenas um mês trabalhava ali.
      Perguntei-lhe porque Leila fora despedida. Ela me disse:
Des-pedi Leila porque ela nunca sorri. Não dá pra trabalhar com uma pessoa que está sempre de cara fechada.
      O motivo dado era torpe demais, não pude acreditar.
      Durante o diálogo perguntei ainda se ela havia tentado conver-sar com Leila, sugerindo-lhe que fosse mais simpática, e a chefe respondeu que desconhecia a linguagem gestual e se não entendia o que ela falava. Como iriam conversar?
      O encarregado de setor, ao ver Leila, aproximou-se sorrindo e deu-lhe um abraço. Aproveitei e perguntei se ele tinha alguma re-clamação quanto ao trabalho de Leila, e ele me respondeu:
      - Ela sempre foi uma ótima funcionária, trabalhava muito bem e rapidamente. Quando terminava seu trabalho, ia ajudar os cole-gas mais lentos.
      A chefe retrucou:
      - Eu a mandava empilhar as caixas na vertical e ela as empilha-va na horizontal. Mesmo eu escrevendo num papel, explicando que as caixas deviam ser empilhadas na vertical, ela as empilhava de outro modo.
      Leila me explicou que aprendera com o chefe anterior a colo-car as caixas daquela maneira, pois de outra forma, as caixas cairi-am (o que já havia acontecido várias vezes).
      O encarregado concordou com Leila.
      Compreendi que Leila era uma funcionária muito competente, mas que não foi compreendida.
      Foi uma pena eu não ter levado um gravador para gravar toda essa conversa.
      Fica aqui meu desabafo e as perguntas:
      - Uma pessoa deve ser despedida por não sorrir?
      - Um  chefe que trabalha com pessoas com deficiência auditi-va, não deveria estar preparado para com elas dialogar?

Muriel E. T. N. Pokk
Texto registrado em cartório


 

 
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