Um brasileiro entre os Pigmeus do Kisangani - Parte 02
 
Recebi em 18/08/2022
 

Mesmo que tenham sido poucos dias, a convivência com esse povo tão diferenciado foi algo de muito interessante...
Uma das boas lembranças que ficaram...
Ósculos e amplexos,
Marcial

Um brasileiro entre os Pigmeus do Kisangani - Parte 2

Bem... após o banquete "elefantástico", prometi que tão cedo não comeria carne de elefante.

Até que é bem saborosa.

Depois de churrasqueada, tem sabor semelhante ao da carne de porco.

Acontece que, por eu ser "ligeiramente" maior do que os pigmeus, tive que comer uma considerável parte do pobre animalzinho, o que me valeu um ligeiro desarranjo intestinal...

Fazer o que?

Recusar os pedaços que me eram oferecidos seria ofensa à tribo.

Já fora suficiente ofensa o fato de eu ter recusado a tradicional oferta da noite com a filha mais jovem do chefe.

A diferença de tamanho foi explicação suficiente.

Não havia condições, nem que eu quisesse...

Os anciões da tribo são muito respeitados, pois sua idade e vivência, lhes confere status de sábios, e suas opiniões e conselhos são sempre acatados.

Como aqui, bem pelo menos deveria ser observado esse pormenor aqui também...

Como não tem mais condições de participar da vida ativa da comunidade, eles auxiliam a caçada de uma maneira muito interessante.

Eles tem uma capacidade impressionante de imitar os animais da floresta.

Então, ficam escondidos na mata, imitando geralmente as "vozes" de fêmeas no cio.

Os machos, atendendo ao "chamado", são presa fácil para os caçadores.

Interessante este método.

E funciona, pois nunca um macho resiste ao chamado de uma fêmea no cio.

Funcionaria com os homens também...

Os pigmeus dividem-se em diversos grupos, que vivem separados em pequenas aldeias, mas que podem formar algo como um clã, tendo em comum um totem, que pode ser a imagem de um chimpanzé, ou de um leopardo.

O chimpanzé por sua sabedoria, e o leopardo por sua qualidade de caçador e sua valentia.

Essa comunidade vive num regime bem democrático.

Não tem um chefe específico.

Apenas "elegem" alguém considerado mais sábio, quando é preciso confabular com os demais africanos.

Contrariamente aos costumes das demais tribos, o casamento entre os pigmeus sempre ocorre entre jovens de clãs diferentes, praticando o chamado "mariage d'echange", ou seja, para poder casar com uma jovem de outra clã, o candidato deve oferecer uma jovem de sua clã, em idade adequada para "substituir" a que ele está tirando.

Preferencialmente sua irmã mais jovem, mas se não tiver, pode indicar outra.

Não deixa de ser interessante.

A prática sexual é livre antes do casamento.

Assim, se uma jovem fica grávida, ela deve manter em segredo o nome do "responsável" até o nascimento da cri-ança.

Só então, pega o recém nascido, e o deposita sobre os joelhos do pai.

Se este tomar a criança entre os braços, é porque aceitou a paternidade, e podem então se casar.

Já pensaram se a moda pega por aqui?

Ainda há que se notar que para haver o casamento, tem que haver o consentimento das duas famílias.

Não existe entre os pigmeus o abominável sistema de compra e venda que ocorre nas demais tribos africanas.

É muito comum, também, o uso de "filtros de amor", tanto pelos rapazes, quanto pelas moças.

Os rapazes, quando querem conquistar determinada jovem, usam de dois artifícios, bem interessantes por sinal.

Existe uma folhagem chamada "liaga", meio parecida com a maconha, que eles mascam bem, e depois deixam a saliva cair sobre sua eleita, ou então, convencem-na a fumar uma espécie de cachimbo, preparado com a folha de liaga seca...

Convenhamos que seria interessante ver um de nossos rapazes cuspir em cima da garota que quer conquistar...

As jovens são mais discretas, preparam uma espécie de sortilégio chamada "bodumere", e a misturam à comida de seu eleito.

Dizem que não falha.

Lamento informar que não conheço essa fórmula.

Pensei em trazê-la para cá, certo de que poderia fazer fortuna vendendo-a às jovens enamoradas.

Mas o segredo elas, apenas elas conhecem, não informando a homem nenhum.

Lamento.

Suas crenças religiosas são bem definidas.

Como toda sua vida gira em torno da caça, eles tem os deuses que os protegem e lhes fornecem os meios de sub-sistência, bem como em diversos sortilégios mágicos.

Contudo, sua vida é regida por um único Ser Supremo, representado por um velho com longas barbas brancas, chamado "Senhor das Tempestades, da Calmaria, e do Arco Íris".

E é a ele que se dirigem antes de partir para a caça.

É quem irá dar-lhes toda a proteção.

Também veneram a Lua, que foi quem criou o primeiro homem: Ba'atsi.

Os pigmeus diferem completamente dos demais povos africanos em seus usos e costumes, fato que me deixou muito curioso, e por isso os estudei mais a fundo, procurando entender, e buscar as origens dessa diferença toda.

Pelo seu próprio modo de vida, são extremamente pobres, e não despertam cobiça nem inveja dos demais, que, pelo contrário, os respeitam muito.

São extremamente pacíficos, tendo um temperamento super otimista.

Estão sempre prontos para ajudar quem quer que seja.

Nunca guerrearam com ninguém, nem tampouco foram atacados por nenhuma das tribos beligerantes das vizi-nhanças.

Nem mesmo os terríveis Simbas que efetuaram autênticas razias na região durante as guerras havidas no Congo.

Creio que os suíços aprenderam com os pigmeus a arte de sempre se manterem neutros.

Em minha curta convivência com eles, aprendi significativas lições de solidariedade, e de bem viver.

Aprendi que o tamanho da sabedoria e do coração dos pigmeus é inversamente proporcional ao tamanho de seu corpo.

Estes são os PIGMEUS DO KISANGANI, e sua maneira totalmente original e diferente de viver, e certamente que se sua sabedoria fosse bem utilizada por aqui, com certeza poderia nos ajudar a fazer de cada dia, sempre UM LINDO DIA...


 

 
Anterior Próxima Crônicas Menu Principal