OUTROS BRASILEIROS NO CONGO
Marcial Salaverry
Durante nossa estada no Congo, tivemos
oportunidade de encontrar outros (aliás,
mais outras do que outros) brasileiros
vivendo em Kinshasa.
Vamos falar um pouco deles, pois
houve alguns episódios bastante curiosos em
nosso relacionamento.
Vamos a eles.
Ruy e Lucy Hasson,
além de Stella, irmã do Ruy.
A maneira como nos
conhecemos foi no mínimo curiosa.
Estava na porta da
Poste (Correio) conversando com alguns
amigos portugueses, quando um deles disse
que havia chegado outro brasileiro e,
apontando para um rapaz que subia os
degraus, acrescentou que parecia que era
aquele “gajo, o brasileiro que havia
chegado”.
Como estava um pouco
distante, a única maneira que encontrei para
chamar sua atenção, foi chamá-lo por uma
expressão bem brasileira, e comentei “se
responder, é ele”.
Então gritei a plenos
pulmões: Ô VIADO.
Como ele olhou,
comentei: É ele, sem dúvida...
E, de fato era... O
mais curioso, é que ele morava em São Paulo
e tinha sido vizinho nosso.
Como esse mundo é
pequeno...
Não nos conhecemos em
S. Paulo, e fomos nos conhecer em Kinshasa,
no distante Congo.
Mantivemos boa amizade durante nossa
estada lá.
Quase sempre passávamos fins de
semana juntos (quando eu estava em
Kinshasa).
Essa amizade perdurou, e ficou mais
solidificada ainda quando nasceu a filha do
casal, Claudia.
O nascimento da menina ocorreu
exatamente no dia em que estávamos partindo
de Kinshasa.
Ruy nos convidou para batizarmos a
menina, e disse que só a batizaria quando
estivéssemos juntos novamente, o que
aconteceu dois anos depois, quando eles
também voltaram para o Brasil, e nossa
amizade prosseguiu...
Bem, outras famílias
de brasileiros que lá viviam:
Eneida e Luigi.
Eneida, uma simpática
carioca sempre oferecendo festas para reunir
a “patota”.
Casada com Luigi um
engenheiro italiano que viveu no Brasil.
Não tinham moradia
fixa, pois devido à profissão, Luigi sempre
estava correndo o mundo. Perdemos contato,
o que foi uma pena, pois chegamos a formar
uma turma bem animada, que “esquentava” as
recepções “kinoises”.
Eram famosas as
feijoadas que ofereciam, pois a família de
Eneida, como bons cariocas, nunca deixavam
de lhe enviar os ingredientes necessários,
principalmente o feijão preto.
A caipirinha sempre
ficava por minha conta, pois minha turma
sempre dava um jeito de mandar uma ou duas
garrafas de boa pinga, camuflando em meio às
revistas remetidas semanalmente.
Huguette e Jean-Claude
Tornero.
Huguette, de família
tradicional de Botucatu, de origem francesa,
conheceu Tornero em São Paulo.
Ele era Diretor da Simca
Chambord.
Quando
terminou seu contrato no Brasil, voltou para
a França, e de lá, para Kinshasa.
Era um casal dos mais
animados e simpáticos.
Certa feita tivemos
oportunidade de oferecer inesquecível
recepção à Seleção Paulista de Novos, que
estava fazendo uma temporada na África, e o
encerramento da campanha foi justamente em
Kinshasa.
O técnico dessa Seleção era
José Teixeira.
Os rapazes já estavam
saturados de tantas viagens, e nunca
poderiam esperar encontrar uma turma de
brasileiros malucos naqueles cafundós.
Oferecemos uma belíssima
feijoada, com acompanhamento de caipirinha,
ao som da mais legítima música brasileira.
Não poderei jamais esquecer
duas coisas.
Primeiro a frase do ponta
esquerda Ziza:
"Meu Deus... última dia
da viagem... comendo feijoada, tomando
caipirinha da boa, e ao som de Roberto
Carlos... É demais... Obrigado, Meu Deus."
E depois, ao entrarem no
ônibus que os levaria para o hotel,
batucando animadamente, e cantando o famoso
refrão das despedidas: Tá chegando a
hora...
Sem dúvida, foi um episódio
bem agradável, encontrar essa patota de
jovens brasileiros que não viam a hora de
embarcar de volta...
Algum tempo depois, já
em São Paulo, quase fui atropelado por um
doido ao volante, que subiu com o carro na
calçada. Dele, desceram Ziza e mais dois
outros jogadores dos que lá estiveram
naquela noite, que afirmaram jamais haver
esquecido aquela recepção. Foi realmente,
muito bacana.
Lucia e John.
Ela, carioca, ele,
norte-americano, adido da Embaixada
Americana.
Não tivemos um contato
muito estreito com eles, devido às
constantes viagens que faziam, e travamos
conhecimento pouco tempo antes de nosso
regresso.
Agora, houve uma
curiosidade muito especial, num dos almoços
que eles ofereciam aos brasileiros e alguns
americanos de lá.
Estávamos brincando de
“Escravos de Jó”, usando garrafas de uísque,
no lugar de tampinhas, e Lucia, para não
perder tempo ordenou ao cozinheiro que
preparasse os “canelones”, explicando ao
domestique que “canelones” eram aquelas
“coisinhas compridas que estavam no
armário”, o molho já estava pronto na
panela, então seria só coisa de espalhar o
molho sobre os canelones e colocá-los no
forno para assar.
Assim foi dito, assim
foi feito.
Na hora do almoço, o
domestique todo orgulhoso vinha trazendo a
bandeja com as “coisinhas compridas que
estavam no armário”.
Notei que havia algo
errado, quando percebi as cordinhas que
saiam dos “canelones”.
Chamei a atenção de
Lucia que, empalidecendo, despejou o maior
repertório possível e imaginário de
palavrões em francês, português, inglês,
grego e lingala.
Calculem, que o
infeliz errou de pacote.
Simplesmente pegou um
pacote com “OB”s, espalhou sobre a travessa,
molho sobre os OB’s, e forno.
Calculem o resultado
da coisa...
Ainda mais que era
molho vermelho...
Resultado, almoçamos
sanduíches...
Celeste e Edmundo,
ambos brasileiros de origem portuguesa que
já viviam em Kinshasa há bastante tempo
quando lá chegamos.
Como eram vizinhos
nossos, logo fizemos boa amizade.
Estiveram presentes em
todos os acontecimentos acima relatados.
Excelentes pessoas, de
quem não pudemos nos despedir adequadamente
quando de nosso regresso.
Além desses, tivemos
alguns encontros incidentais com alguns
brasileiros de passagem por lá.
Por exemplo um
engenheiro de São Paulo que esteve em
Kinshasa fazendo orçamentos de projetos.
Ficou apenas 15 dias.
Também conhecemos
alguns exilados políticos (não esqueçam de
que estava na época da Revolução), que
zanzavam pela África, procurando algo para
fazer.
Nunca tinham parada
fixa, pois sempre tinham medo de ser
descobertos.
Paranoia de refugiado.
Pois se o Congo sequer
tinha relações políticas com o Brasil, na
época.
Enfim... viviam com
medo até da sombra.
Essa é, mais ou menos
a história de outros brasileiros que por lá
estiveram.
Quero deixar aqui um
apelo.
Se alguém dentre os
citados por acaso ler esta narrativa,
gostaria que fizesse contato comigo.
Ou os próprios
personagens, ou alguém que possa informar
sobre o paradeiro.
Pois só continuei
mantendo contato com a família de Ruy
Hasson.
Lembranças que ficaram
marcadas...
Aqueles almoços,
quando ficávamos recordando nosso Brasil...
Qualquer pretexto
servia como pretexto.
Quando estamos vivendo
fora de nosso País, apenas queremos
recorda-lo e pensamos em voltar, não
entendendo como tanta gente pensa em daqui
sair...
Coisas da vida.
Mas... verdade seja dita, jamais
apagarei de minha memória as coisas lá
vividas...
E estar escrevendo agora, é uma
prova disso, pois nunca pensei em anotar
nada durante a estada lá.
Jamais pensei que um dia estaria
contando tudo...
Como sempre, desejando a quem
estiver tendo a paciência de ler, que tenha
UM LINDO DIA...
Mas ainda tem
mais... Aguardem...