Algumas viagens aéreas pelo Congo
 
Recebi em 23/08/2022
 
 
UM BRASILEIRO NA ÁFRICA
ALGUMAS VIAGENS AÉREAS PELO CONGO
 



Puxando pela memória, vamos contar algumas coisinhas a respeito da vida no Congo,
quando precisei usar os "bons préstimos" da Air Congo...
Ósculos e amplexos
Marcial

 
ALGUMAS VIAGENS AÉREAS PELO CONGO
Marcial Salaverry

Viajar de avião pelo interior do Congo foi, realmente, a maior prova de insanidade mental que jamais dei em minha vida.

Foram aventuras que de tão insólitas podem parecer ficção.

Contudo, juro serem a mais pura expressão da verdade.

Na época, tudo me parecia normal, estando onde eu estava, mas relembrando agora, chego a duvidar de tudo o que vivi por lá.

Como experiência de vida foi algo de fantástico realmente...

Vou contar em episódios, e ir trabalhando a memória...


Durante um vôo Kinshasa/Kikwit, fui surpreendido por um pedido feito pelo Comandante, através do sistema de intercomunicação: O Comandante solicita que, se alguns dos senhores passageiros co-nhecer o caminho até Kikwit, que venha até a cabina, para indicar a rota exata.

Atônito, vi um dos passageiros levantar-se e, como se fosse a coisa mais natural do mundo, dirigir-se à cabina, e ir passando as coordenadas ao piloto, algo como: Siga até aquela curva do rio, vire à es-querda.

Após sobrevoar aquela aldeia, siga em frente.

Fiquei sabendo depois que a torre de controle de Kikwit não tinha radar, nem qualquer pos-sibilidade de direcionar o vôo.

E, como aquela estava sendo a primeira viagem daquele piloto, ele ainda não conhecia o caminho.

Só para finalizar, chegamos sãos e salvos.

Dizem que Deus é brasileiro, mas eu acho que ele é africano...

Estava na localidade chamada Masi-Manimba, e precisava deslocar-me rapidamente até Kinshasa para resolver um problema urgente.

Considerando que por estrada, levaria um mínimo de 12 horas, e outro tanto para voltar, optei por tentar o avião.

Na pista, eufemisticamente chamada de aeroporto, fui informado pelo funcionário, de que deveria permanecer na pista, para que o piloto visse que havia um passageiro.

Achei que era gozação e, considerando o tamanho do sol, resolvi ficar à sombra. 

Quando o avião surgiu no horizonte, o rapaz começou a agitar freneticamente os braços, dizendo que eu deveria ir para a pista.

Fui, e comecei a fazer com o polegar o sinal de carona, a título de gozação.

E não é que o avião deu uma volta completa sobre a pista e somente após reparar que eu estava lá, é que fez os procedimentos de aterrissagem.

Perguntei ao piloto (não havia comissário de bordo) que confirmou: Claro... não existe nenhum sistema de comunicação.  Se eu não vejo ninguém na pista, sigo viagem.

Realmente interessante.

Durante um vôo Kinshasa/Mbandaka, viajava ao meu lado um jovem congolês que estava visivelmente apavorado com o fato de estar a mais de 2 metros do solo.

Procurei acalmá-lo, falando sobre a segurança das viagens aéreas... aquela velha conversa de que as possibilidades de acidentes são muito maiores nas estradas do que no céu, mas ele não se convencia disso.

Sugeri que tomasse um uísque para acalmar-se um pouco.

Quando ele foi servido, aconteceu o que não deveria ter acontecido.

O avião entrou numa área de turbulência, e começou a corcovear como cavalo bravo, e de repente a bebida subiu, e copo escapou das mãos e o rapaz se descontrolou de vez.

Gritava desesperado, exigindo que o avião parasse, que ele queria descer imediatamente.

Acredito que se houvesse possibilidade de abrir uma janela, ele saltaria...

Foi um custo convencê-lo da impossibilidade de deixá-lo descer em pleno vôo.

A chegada em Mbandaka foi épica, pois ele não queria descer de jeito nenhum com as calças molhadas...

Numa viagem com destino a Goma, fomos informados de que o avião não poderia aterrissar em Goma, pois o aeroporto estava em poder dos rebeldes simbas, numa das muitas revoluções de 1 dia que sempre aconteciam lá.

Como resultado, tivemos que seguir viagem até o aeroporto mais próximo, devido problemas de combustível.

Ocorre que o aeroporto em questão era em Bujumbura, capital de Burundi, país limítrofe.

Como se tratava de um vôo doméstico, ninguém tinha passaportes, e tampouco o avião tinha permissão para pouso.

Seguindo as regras vigentes, não havia radar e etc... etc...

Então o avião pousou e foi imediatamente cercado pelas tropas burundesas.

Até que o incidente fosse explicado, ficamos mais de 4 horas dentro daquela fornalha em que se havia transformado o glorioso avião da Air Congo, com tudo desligado.

Tive oportunidade de começar a sentir pena dos franguinhos quando são assados...

Após os tramites legais, restava um “pequeno” problema.

Como voltar para Kinshasa, já que a burocracia burundesa não permitia que um avião de outra nacionalidade fosse abastecido sem o prévio pagamento, o qual, pela burocracia congolesa só poderia ser providenciado dali a 3 dias.

Já estava conformado com a ideia de passar 3 ou 4 dias trancafiado no aeroporto de Bujumbura pois devido falta de documentação, sequer poderia tentar obter um visto de permanência temporária.

Coisas da África... , quando surgiu a salvação do espaço.

Um avião da South African se preparava para aterrissar.

E, surpresa, seu destino era Kinshasa.

Nova novela de mais 5 horas para que o Comandante sulafricano aceitasse receber os passageiros.

Somente concordou, quando convenientemente ameaçado pelas autoridades bujumburenses de que, sem nós, não decolaria.

Tudo em nome do bom senso e da amizade internacional...

Enfim, chegamos de volta a Kinshasa sãos e salvos.

Milagres sempre acontecem.

Outro episódio interessante.

Estávamos com problemas no aeroporto de Mbandaka.

O avião estava mais do que lotado.

Aí então, um iluminado descobriu o "Ovo de Colombo".

Pesar os passageiros, juntamente com as bagagens.

Os mais pesados não poderiam viajar.

Olhei para meus 120 quilos bem distribuídos, mais 12 da mala, e pensei: Tô fora...

Quando chegou minha vez, antes de subir na balança, coloquei uma nota de 10 zaires na mão do co-ordenador e ele, com o maior cinismo do mundo, simplesmente falou : soixante quilos (ou seja, 60 quilos).

E eu passei.

O divertido é que ninguém se atreveu a protestar...

A coisa era mais do que normal por lá...

É devido a coisas assim, que sempre agradeço ao meu querido Amigão estar vivo ainda, e poder estar contando todas essas coisas, sempre desejando que todos possam ter e bem desfrutar de UM LINDO DIA...
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