UM BRASILEIRO NA ÁFRICA
ALGUMAS
VIAGENS AÉREAS PELO CONGO
Puxando pela memória,
vamos contar algumas coisinhas a respeito da vida no Congo,
quando precisei usar os
"bons préstimos" da Air Congo...
Ósculos e
amplexos
Marcial
ALGUMAS VIAGENS AÉREAS PELO
CONGO
Marcial
Salaverry
Viajar de avião pelo interior do Congo foi,
realmente, a maior prova de insanidade mental que jamais dei em minha
vida.
Foram aventuras que de
tão insólitas podem parecer ficção.
Contudo, juro serem a mais pura expressão da verdade.
Na época,
tudo me parecia normal, estando onde eu estava, mas relembrando agora,
chego a duvidar de tudo o que vivi por lá.
Como experiência de vida foi
algo de fantástico realmente...
Vou contar em episódios, e ir trabalhando
a memória...
Durante um vôo Kinshasa/Kikwit, fui surpreendido por um
pedido feito pelo Comandante, através do sistema de intercomunicação: O Comandante solicita que, se alguns
dos senhores passageiros co-nhecer o caminho até Kikwit, que venha até a
cabina, para indicar a rota exata.
Atônito, vi um dos passageiros
levantar-se e, como se fosse a coisa mais natural do mundo, dirigir-se à
cabina, e ir passando as coordenadas ao piloto, algo como: Siga até aquela curva do rio, vire à
es-querda.
Após sobrevoar aquela aldeia, siga em
frente.
Fiquei sabendo depois que a torre de controle de Kikwit não
tinha radar, nem qualquer pos-sibilidade de direcionar o vôo.
E, como aquela estava sendo a
primeira viagem daquele piloto, ele ainda não conhecia o caminho.
Só para finalizar, chegamos sãos e
salvos.
Dizem que Deus é
brasileiro, mas eu acho que ele é
africano...
Estava na localidade chamada
Masi-Manimba, e precisava deslocar-me rapidamente até Kinshasa para
resolver um problema urgente.
Considerando que por estrada, levaria um mínimo de 12 horas, e
outro tanto para voltar, optei por tentar o avião.
Na pista, eufemisticamente chamada
de aeroporto, fui informado pelo funcionário, de que deveria permanecer na
pista, para que o piloto visse que havia um passageiro.
Achei que era gozação e,
considerando o tamanho do sol, resolvi ficar à sombra.
Quando o avião surgiu no
horizonte, o rapaz começou a agitar freneticamente os braços, dizendo que
eu deveria ir para a pista.
Fui, e comecei a fazer com o polegar o sinal de carona, a título de
gozação.
E não é que o avião
deu uma volta completa sobre a pista e somente após reparar que eu estava
lá, é que fez os procedimentos de
aterrissagem.
Perguntei ao piloto (não havia
comissário de bordo) que confirmou: Claro... não existe nenhum sistema de
comunicação. Se eu não vejo
ninguém na pista, sigo viagem.
Realmente
interessante.
Durante um vôo Kinshasa/Mbandaka,
viajava ao meu lado um jovem congolês que estava visivelmente apavorado
com o fato de estar a mais de 2 metros do solo.
Procurei acalmá-lo,
falando sobre a segurança das viagens aéreas... aquela velha conversa de
que as possibilidades de acidentes são muito maiores nas estradas do que
no céu, mas ele não se convencia disso.
Sugeri que tomasse um uísque para
acalmar-se um pouco.
Quando
ele foi servido, aconteceu o que não deveria ter acontecido.
O avião entrou numa área de
turbulência, e começou a corcovear como cavalo bravo, e de repente a
bebida subiu, e copo escapou das mãos e o rapaz se descontrolou de
vez.
Gritava desesperado,
exigindo que o avião parasse, que ele queria descer imediatamente.
Acredito que se houvesse
possibilidade de abrir uma janela, ele saltaria...
Foi um custo
convencê-lo da impossibilidade de deixá-lo descer em pleno vôo.
A chegada em Mbandaka foi épica,
pois ele não queria descer de jeito nenhum com as calças
molhadas...
Numa viagem com destino a Goma, fomos informados de que o
avião não poderia aterrissar em Goma, pois o aeroporto estava em poder dos
rebeldes simbas, numa das muitas revoluções de 1 dia que sempre aconteciam
lá.
Como resultado, tivemos
que seguir viagem até o aeroporto mais próximo, devido problemas de
combustível.
Ocorre que o
aeroporto em questão era em Bujumbura, capital de Burundi, país
limítrofe.
Como se tratava de um vôo doméstico, ninguém
tinha passaportes, e tampouco o avião tinha permissão para pouso.
Seguindo as regras vigentes, não
havia radar e etc... etc...
Então o avião pousou e foi imediatamente
cercado pelas tropas burundesas.
Até que o incidente fosse explicado, ficamos mais de 4 horas dentro
daquela fornalha em que se havia transformado o glorioso avião da Air
Congo, com tudo desligado.
Tive oportunidade de começar a sentir pena dos franguinhos quando
são assados...
Após os tramites legais, restava um “pequeno”
problema.
Como voltar para
Kinshasa, já que a burocracia burundesa não permitia que um avião de outra
nacionalidade fosse abastecido sem o prévio pagamento, o qual, pela
burocracia congolesa só poderia ser providenciado dali a 3 dias.
Já estava conformado com a ideia de passar 3 ou 4 dias
trancafiado no aeroporto de Bujumbura pois devido falta de documentação,
sequer poderia tentar obter um visto de permanência temporária.
Coisas da África... , quando
surgiu a salvação do espaço.
Um avião da South African se preparava para aterrissar.
E, surpresa, seu destino era
Kinshasa.
Nova novela de mais 5 horas para que o Comandante sulafricano aceitasse receber os passageiros.
Somente concordou, quando
convenientemente ameaçado pelas autoridades bujumburenses de que, sem nós,
não decolaria.
Tudo em nome do bom senso e da amizade internacional...
Enfim, chegamos de volta a Kinshasa sãos e salvos.
Milagres
sempre acontecem.
Outro episódio interessante.
Estávamos com problemas no
aeroporto de Mbandaka.
O
avião estava mais do que lotado.
Aí então, um iluminado descobriu o "Ovo de Colombo".
Pesar os
passageiros, juntamente com as bagagens.
Os mais pesados não poderiam
viajar.
Olhei para meus 120
quilos bem distribuídos, mais 12 da mala, e pensei: Tô fora...
Quando chegou minha vez, antes de subir na balança,
coloquei uma nota de 10 zaires na mão do co-ordenador e ele, com o maior
cinismo do mundo, simplesmente falou : soixante quilos (ou seja, 60
quilos).
E eu passei.
O divertido é que ninguém se
atreveu a protestar...
A coisa era mais do que normal por
lá...
É devido a coisas assim, que sempre agradeço
ao meu querido Amigão estar vivo ainda, e poder estar contando todas essas
coisas, sempre desejando que todos possam ter e bem desfrutar de UM LINDO
DIA...
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