Será que as novas gerações desta civilização conseguirão ainda
reunir vontade e forças que, consertadas e potenciadas com novas tecnologias, e
outras que porventura despontem, possam conduzir a sociedade para um estado
de perfeição?
Quando pensamos numa organização social perfeita relativamente a
uma cidade, a um país, ou alargada à escala mundial, será que
estamos a ser
puramente utópicos? Entenda-se por utopia a ideia de uma
civilização ideal,
imaginária, fantástica. A palavra foi in-ventada na Grécia
antiga e significava
então o “não lugar”
ou “o lugar que não existe”.
Muitos anos depois, em 1516, o
inglês Thomas More serviu-se da palavra utopia para titular uma das suas obras escritas em La-tim. Fascinado pelas
extraordinárias e apaixonantes narrações do navegador florentino Américo
Vespúcio sobre o avistar da ilha de Fernando de Noronha, em 1503,
More decidiu então escrever sobre um lugar novo, purificado, onde existiria uma sociedade perfeita. “Uma ilha onde reina uma paz total e uma harmonia de interesses, resultado de sua organização social”. Nessa ilha, foi eliminado por
completo o conflito e as suas potenciais possibilidades de materia-lização. Em
geral, a evolução da teoria define a comunidade utopi-ana como uma sociedade perfeita em sua organização e completa-mente
equitativa na distribuição
dos - porventura escassos - recur-sos.
O utopismo, ou utopia, consiste na percepção
intelectual - tida por
fantasiosa pela comunidade - ao conceber em espírito, não
apenas um lugar
mas um vida, um futuro, numa visão diferente, optimista, muitas vezes completamente inversa à do mundo real e, portanto, absurda.
As visões politica, económica, social ou religiosa da utopia
são, na-turalmente, diferenciadas mas, pelo menos num aspecto, inequivo-camente
coincidentes: todas são permissivas à ideia da necessida-de da fantasia do ser humano, da sua capacidade poética de sonhar, como se, sem ela,
o homem se
descaracterizasse como tal.
“A utopia é uma versão alargada de uma manhã possível”, dis-se-o Alberto Mendoza de Morales. Na realidade, ela consiste num plano,
numa doutrina, num projeto, sempre ambicioso mas irreali-zável, por
absurdo, face às
cautelas conservadoras das convenções em uso para o desenvolvimento da sociedade. Todavia, reconhece-se que sendo a utopia uma ideia antecipada, ela
é incitante, desa-fiadora, rumo à mudança, e sem mudanças
substanciais não
há de-senvolvimento.
No entanto, a natural resistência à mudança cria uma controvérsia,
essa sim contraditória, porque totalmente contrária à exposta
lógica. Numa
comunidade, num país, não haveriam mudanças sem uma
arriscada ponta de
utopia, mesmo com alguns passos ain-da que hesitantes dados no sentido do
risco menos calculado. É es-sa rebeldia ao conservadorismo caduco e imobilista
que pode ope-rar autênticos milagres na economia de um país ou de uma região economicamente comunitária.
Assim temos visto
operar alguns países que conseguem emergir do anonimato político-econômico para se tornarem nações progressis-tas, em
vias de desenvolvimento. Digamos que essas forças renova-doras e inconformistas
souberam ver e responderam ao apelo de outros mais prósperos horizontes
e foram felizes na sua aventura a caminho do futuro. Pode, no
entanto, ocorrer
o inverso; o malogro da exequibilidade de uma proposta temerária que resvale na irres-ponsabilidade, com os nefastos resultados daquilo
que então será
chamado de "fracasso aventureirista", o pelos mais conservadores e que levará
inevitavelmente os seus autores à punição com um afas-tamento
coercivo dos
círculos do poder, por largo tempo.
Mas, o que seria um plano de desenvolvimento sem objetivos ambi-ciosos, sem uma proposta de metas difíceis, ou mesmo considera-das “impossíveis” pelos cínicos defensores do imobilismo rotulados de cautelosos? – Uma
monotonia, certamente não mobilizadora de vontades, de
trabalho e de talento para as levar por diante. E um governo de gente inerte e calaça tem os
seus dias contados. O rotinismo, a inação e a preguiça são a negação do arrojo
da proje-ção para a frente, nem fazem brotar ideias força essenciais
à resolução de problemas que ajude a melhorar as condições de
vi-da das populações. O país onde isso ocorra é um país travado e
in-variavelmente a caminho
de um dramático descalabro.
O homem tem de sonhar, de assumir a sua fantasia para
empreen-der,
para se transcender, para fazer que a sua vida e a dos que dele dependem valha a pena ser vivida, tal como o Criador o pen-sou. Resgatemos, pois, a utopia
e sejamos orgulhosos de a haver resgatado.