A Península Ibérica estremece

perante o desespero de três gerações

Nas pátrias de Camões e de Cervantes

os idosos, os seus filhos e os seus netos estão a passar mal

 

Na realidade, são três as gerações de espanhóis e de portugueses que desesperam perante os efeitos de uma crise que parece não ter fim à vista. Os mais jovens, aqueles a quem o substancial bife a que foram acostumados, as idas regulares ao Mc Donalds, aos cinemas e às discotecas, estão a sentir, faz tempo, a satisfação desses hábitos cada vez mais descontinuada. Os que nunca os tiveram mas que ansiavam por usufruí-los estão igualmente a entrar em desespero perante a inexistência de soluções até de sobrevivência. O insucesso escolar subiu aos 30% e é parecido em ambos os países, o que mostra, para além do quinhão de incompetência de quem gere, a desmotivação dos alunos.
Quem já completou os estudos vai engrossar as listas dos que esperam (e bem podem esperar) o primeiro emprego.

Entretanto, o desemprego em Espanha (20%) é quase o dobro do que se regista em Portugal (11%) e o pior, é que mais de um terço dos desempregados dos dois países ou já atingiram ou estão a atingir o prazo máximo que o respectivo subsídio prevê, e têm mais de 45 anos, faltando-lhes mais de vinte para que possam pedir a reforma.

Entretanto, a vida continua sempre com os preços dos bens essenciais, e todos os outros, a conhecerem os inevitáveis agravos, o que deixa cada vez mais fundas, as rugas nos rostos das gerações adultas, aqueles que, pela lógica da vida, lhes competiria agora olhar pelo dia-a-dia e pelo futuro dos seus descendentes. E ironia do destino; ainda é a ala etária mais idosa a que tem agora de suprir, com os parcos meios de subsistência que a pouca reforma lhes vai garantindo, a compra do essencial para que ao menos a fome não ameace os seus de perto.

As empresas continuam a fechar às dezenas, todos os dias. Outras há que, para tentar manter uma actividade mínima à espera de tempos melhores, entram em soluções negociadas que implicam a redução de postos de trabalho ou as horas de laboração ao seu pessoal, ou ainda a alternância de dias de exercício de actividade. Qualquer destas modalidades persegue o objectivo único de minorar os custos com mão-de-obra, normalmente os mais gravosos na folha de despesas.

Ganha-se menos, ou simplesmente vive-se de um subsídio de desemprego limitado no tempo, pago por um estado ultra endividado e exausto de tentar possíveis soluções.   Tudo isto leva a um consumo interno substancialmente menor,   e quanto a exportações já não há imaginação nem dinâmica que cheguem para tentar equilibrar a balança comercial, porque os importadores tradicionais e potenciais estão a sofrer idênticos efeitos, embora de menor dimensão. Se a isto somarmos a redução dos gastos imposta pelo estado, com os respectivos efeitos de chicote em toda a sociedade, temos aí o panorama negro da actual economia I bérica.

É o lado sombrio de uma região global e pretensamente inter-dependente. É o gosto amargo de uma integração económica só aparente. É a face obscura de uma moeda única sem o apoio de uma única via política e uma única estratégia, que não só a financeira, porque essa é dominada por quem pode e parece que sabe como fazer.

E assim, a sociedade Ibérica vê estreitarem-se e distanciarem-se mais e mais as perspectivas promissoras dos  já distantes anos oitenta e noventa que deixaram nos olhos dos (então) seus jovens cidadãos, os sorrisos confiantes e a esperança que pareciam anunciar um futuro brilhante para os futuros protagonistas dos dois povos e para as populações que deles iriam depender.

Muitos são hoje os casos que colocam os antigos classificados de classe média baixa e alta próximo da linha que demarca as fronteiras da pobreza e até da miséria. E triste é cada vez mais, a existência dos mais idosos, aqueles que, em fim de vida, mais tranquilos deveriam estar e que – contradição das contradições – ainda são eles, com a modéstia dos seus recursos, que vão aguentando, como podem, as carências mais urgentes dos seus filhos e dos seus netos. Ainda são eles que se privam de tudo, até dos seus (indispensáveis) medicamentos, para que os seus sobrevivam com alguma dignidade. E ainda são eles, os que tanta vez foram esquecidos e abandonados, os que mais se sacrificam e sofrem, para verem um raro sorriso nas faces dos que amam.

 

Eugénio de Sá

Bogotá, 03/FEV/2011



 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


 






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