Apito


            É uma noite como outra qualquer. Nas mãos, uma caneca de vinho, me acompanha. O barulho inoportuno de um motor invade o silêncio da noite, enquanto tento superar, uma vez mais, as marcas da solidão que insistem em me acompanhar... Ao relembrar um sonho, cristaliza-se em mim a imagem de uma ilusão infantil onde alcançar pequenos valores significava alcançar a tão sonhada  felicidade...

            Sem brilho, a noite afaga, indiferente, um homem emudecido pela solidão. A busca de uma vida feita de aventuras e de amores se transforma na desilusão de um mundo sem emoção. New York, Roma, Paris, ilusões ricas de um menino pobre. Tivesse eu, pelo menos, a expectativa da realização de uma simples aventura, talvez tudo fosse diferente. No entanto, há apenas um vinho seco, amargo, tentando adormecer lembranças de momentos do passado.

            Não será, com certeza, esta mesa de canto que me acolhe com indiferença que levará esta tristeza embora. Não será o apartamento vazio para onde irei em seguida que alterará o sentido banal da vida e a confirmação de sonhos irrealizáveis. Talvez seja você, que neste momento compartilha comigo esta mesma angústia, que o destino faça com que os nossos caminhos docemente se cruzem um dia.

            Mas, reagir é preciso. Quem sabe, pelas mãos de um amor prostituto? Pela felicidade contagiante de uma criança? Pela alegria fugaz e mortal das drogas? Quem sabe...

            Mais provável que seja pelo calor distante de um corpo que certo amor passado deixou. E, junto com ele, virá a recordação de uma praia onde as ondas da ilusão não morrem jamais. Então, dentro desta eternidade, restarei eu, restará esta noite e a esperança de um ex-menino que tenta reencontrar o perdido sonho.

            Não chove. Não há, no momento, alegria nem tristeza. O tempo permaneceu indiferente. Há somente um ser pensativo, olhando fixamente para uma caneca vazia.

            Cansado, sinto a noite partir. Mais uma noite que se vai. A manhã que se aproxima preguiçosamente encerrará este ritual de solidão. A garrafa chegou ao fim... resta agora o sabor destes momentos que entre goles superei. Encoraja-me apenas a obrigação de prosseguir, guiado talvez por um instinto inconsciente de felicidade.

            Neste momento, lembro-me de um apito recebido em um dia dos namorados com um cartão que dizia:

            - Quando sentires saudades de mim, basta apitar, que virei correndo te encontrar... Pela primeira vez na noite, esboço um sonolento sorriso...

            Um novo dia finalmente chega. Um dia como tantos outros, marcado pelo enervante barulho dos motores e imbecilizado pela rotina do trabalho dos homens despidos de motivação. Uma a uma, as janelas se abrirão na expectativa de novos desafios. Vestidos nos bem talhados ternos, homens de negócios buscarão, ávidos, o primeiro lucro do novo dia. Operários, abraçados a pobres marmitas, no desconforto dos ônibus ou trens, equilibrarão suas adormecidas ilusões.

            Uma suave resignação, no entanto, insiste em me acompanhar. Meu corpo, cansado, mergulhará no denso nevoeiro da solidão da manhã. No quarto, com um resto de esperança, aguardarei, no sonho, a materialização do desejo de que pelo som de um doce apito, alguém venha me resgatar...

            - Garçom, por favor, fecha a minha conta!

Domingos Alicata
Rio de Janeiro - RJ - 06/01/1968




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