A echarpe do amor


         Segunda-feira. Para uns, dia de preguiça, para mim, um dia igual aos outros. Excetuando-se quando ele sucede a um fim de semana em que o meu Fogão jogou, claro! Neste caso, faço o roteiro alvinegro. Passo pela casa de lâmpadas, pelo jornaleiro, pelo guardador de carros, pelo mini-mercado, enfim, pelos locais onde encontro meus parceiros de aflição. Eufóricos nas vitórias, tristes nas derrotas, mas sempre encontrando justificativas e soluções. Se perdemos, o juiz é ladrão. Resolvemos a parada prontamente. Se ganhamos, o time não é tão mal quanto dizem...

         Dos personagens botafoguenses, o mais empolgado é o Henrique. Regulamos a mesma idade e, na juventude, com cumplicidade, garantimos que jogávamos bem. Sabe aquele sujeito de gestos largos? Teatrais? Que se empolga e começa a falar muito alto? Pronto, assim é ele... No auge da empolgação, toma distância para indicar de onde o atacante perdeu um gol. Com olhar rútilo, jura que aquele até a mãe faria. Sai gesticulando, fazendo acreditar que vai embora, mas súbito retorna ao calor da conversa. Com um pouco de sorte, consigo escapar das partículas de saliva que, solidárias ao seu descontrole, se precipitam boca a fora. Felizmente esta segunda feira era de alegria. Tive, no entanto, a nítida impressão de que a calma e a inquietação lutavam desesperadamente dentro da sua cabeça disputando qual delas iria dominar o seu estado psicológico. Para meu alívio, após mais uma encenação, despediu-se definitivamente e deu prosseguimento ao seu caminhar.

         Finalmente poderia prosseguir o meu caminho. Depois de passar pelo banco, voltava eu calmamente para casa quando assisti a uma cena romântica onde menos poderia imaginar.

         Um senhor idoso, negro e com as têmporas embranquecidas, tentava vender suas echarpes às mulheres que passavam. Por sinal, eram bonitas, não todas as mulheres, mas as echarpes. À minha frente seguia uma senhora, também negra, um pouco mais nova do que ele, com remanescentes traços de beleza. Como eu estava logo atrás, mas na direção do olhar dele, pude notar a mudança na sua expressão. O olhar criou vida, a fisionomia séria abriu-se em um sorriso largo e o seu desejo disfarçou-se em pensamento. Qual seria a maneira que ele encontraria para tentar chamar a atenção dela?

         Ela estava próxima. Mais três passos, e passava ao seu lado. Mantendo o sorriso, jogou a echarpe delicadamente por sobre o seu ombro e disse alguma coisa que não consegui ouvir. Com certeza, palavras doces. Ela, com simpatia, sorriu prosseguindo em sua caminhada. Ao chegar à esquina virou-se com um olhar ainda tímido. O velho camelô, alargando o sorriso, foi caminhando em sua direção com a indecisão dos amores que nascem sem antes terem sido apresentados.

         Ali chegava ao meu limite. Deveria dobrar a esquina em direção ao meu edifício. Deixei-os conversando. Pareciam ter superado a perplexidade do momento. A conversa agora fluía mais alegre enquanto eu levava comigo a confirmação da simplicidade do amor. O bom camelô veio vender lenços e encontrou um novo amor. São as esquinas da vida...

         Basta um olhar, um sorriso, uma palavra doce, e a emoção da conquista se apresenta como se na infância estivéssemos. Almas carentes? Talvez... Mas, independentemente do motivo que se tenha, o prazer da conquista é sublime. O ego alegremente comemora. Dá aquela bobeira característica. Mudamos o tom da voz para, melodiosa, melhor cativar. O olhar assume uma expressão sonhadora... E as mentiras que às vezes falamos! Será que as mentiras se justificam? Acredito que na luta por um amor vale tudo.

         Ainda dei uma olhada antes que os perdesse de vista. Frente a frente, olhavam-se com ternura. O camelô, cheio de ginga e agora mais confiante, devia estar caprichando nos últimos argumentos do amor. Como se dizia antigamente, era o próprio milongueiro. As echarpes, compreensivas, permaneciam quietas ao redor do seu pescoço. Agora não pensava mais em vendê-las. Procurava expor apenas o seu coração apaixonado. Não sei como acabou. Torço, bastante, para que tudo tenha dado certo...

Domingos Alicata
Rio de Janeiro - RJ -
25/10/2005



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