Manhã indecisa com um céu
encoberto, na pacata cidadezinha interiorana em que resido.
Após o desjejum, arrastado por um
inclemente marasmo, dei-tei-me na rede da varanda e minha fiel
guardiã aconchegou-se em posição de esfinge sobre meus chinelos,
assegurando-se de que eu não poderia afastar-me sem que ela percebesse.
Fecho os olhos e ouço a vida
passando, no bailar descompro-missado de meus variados pensamentos
intermitentemente inter-rompidos pela quebra do silêncio reinante.
Uma motocicleta passa anunciando
pelo autofalante o faleci-mento de um morador que partiu para a
derradeira viagem sem volta: “A família de Alcindo Bezerra comunica
pesarosamente o seu falecimento. O corpo está sendo velado na capela
do cemitério e o sepultamento será às 16:30h de hoje.” Veio-me à
mente o seu Be-zerra vendendo em um carrinho de mão as verduras e
legumes que plantava e colhia em sua horta (couve, quiabo, brócolis,
vagem, etc). Em sua passagem atraía os fregueses tocando um sininho.
Idoso, bronzeado pelo sol causticante, ausentou-se de sua lide,
vitimado por uma inominável doença incurável.
Inevitavelmente lembrei-me do MEU
QUERIDO AMIGO que par-tiu quatro dias depois de prestar-lhe uma
homenagem, da qual não pôde ele tomar conhecimento. Embora triste,
conforta-me saber que seu espírito desvencilhou-se da matéria em
decomposição a que estava atrelado, fazendo-o sofrer. Para amenizar
a saudade, vez por outra, leio um de seus artigos deixados na Internet.
VASSOUREIROOOO... Lá ia, rua
acima, o seu Elias. Esporadica-mente comprávamos alguns de seus
artigos, aliviando-lhe o peso que carregava nas costas. Batalhador
tenaz, faltava-lhe o antebra-ço esquerdo, mas isso não o impedia de
prosseguir na luta pela sua sobrevivência e de sua família. Homem
honrado e digno de respei-to e admiração.
Volto a mergulhar em meus
pensamentos; desta feita inter-rompido pelo vendedor de picolés
apregoando seu produto: “Olha o picolééé! Sabor manga, abacaxi,
laranja, morango... Tá geladinho, freguês. Um é três, dois é cinco
real.” Outro herói anônimo que, à sua moda, seguia driblando as
adversidades da vida que lhe foi des-tinada.
Com a passagem do carro-vagão
chamando crianças e adultos para as últimas apresentações da trupe
do circo armado no terreno destinado a esses eventos, levantei-me da
rede não sem antes ter que pedir licença à Bella para poder calçar meus chinelos.
Depois de dar uma ajudinha na
cozinha, aboletei-me na cadei-ra de balanço da sala, voltando às
minhas dispersas meditações. Assim permaneci até ser chamado para o
almoço, seguido de minha sagrada sesta. E lá fora continuava,
célere, O PASSAR DA VIDA para os muitos que não a tiveram inopinada
e/ou prematuramente in-terrompida.