Adeus Dolores!

Recebi em 04/07/2013


Antes de começar a ler esta crônica, recomendo relembrar outras
duas por mim escritas:
Como conheci Dolores (3/12/2012) e Triste Retorno (6/12/2012)

-X-X-X-

       Num desses recentes ontens, resolvi fazer nova surpresa à mi-nha querida amiga Dolores. Vestido a caráter, com o indefectível cravo branco na lapela do paletó, sem esquecer a gravata, voltei ao Cabaré do Bueno.

       Se pudesse, iria direto à cozinha onde ela deveria estar mas isso não me seria permitido, então dirigi-me ao “Bueninho”. Um pouco afastado, esperei que ele terminasse uma conversa e dei-lhe o meu boa noite. Ele lembrou-se de minha última visita e convidou-me a sentar ao seu lado. Após um breve silêncio, pedi-lhe autorização para dar “um pulinho” na cozinha e falar rapidamente com Dolores.

      Sem me olhar, com a cabeça baixa, respondeu-me com voz pe- sarosa:

       __ Ela nos deixou...

       __ Brigaram ou se aposentou? Indaguei apreensivo, mas em tom de brincadeira.

       Ainda olhando para o chão falou-me, com triste ênfase:

       __ Infelizmente, ela se foi para sempre, de nós todos...

      __ Dolores morreu? Como? O que aconteceu? Minhas indagações saíram em sussurros quase inaudíveis.

       __ Há três meses ela subiu as escadas para mais um dia de tra-balho, mas logo sentou-se ofegante. Começamos a abaná-la mas sua pele começou a empalidecer e parou de respirar. Telefonamos imediatamente solicitando uma ambulância mas nada puderam fa-zer. O corpo dela foi levado num rabecão. Foi diagnosticado um infarto agudo do miocárdio. Nesse dia e no seguinte, não abrimos as portas para que todos pudéssemos comparecer ao funeral. Seus netos disseram-me, lá no cemitério que ela não se sentia bem, muito cansada quando saiu de casa, mas não queria faltar ao tra-balho.

       __ Dolores realizou o sonho dela. Cumpriu com o que sempre me dizia: que jamais deixaria este Cabaré. Só morta! Ironia do destino! Subiu as escadas sabendo que isso custar-lhe-ia a vida... e faleceu onde queria.

       Não consegui segurar meu pranto e sufoquei meus soluços e ocultei meu pranto com o lenço. Bueninho colocou sua mão em meu ombro e, tentando consolar-me, sugeriu-me:

       __ Acho que se dançasses te faria bem e Dolores lá de cima iria te aplaudir. Não precisarás comprar cartão para picotar. É uma oferta da casa – OK?

       Dançar... coisa que passava longe de minha cabeça num mo-mento triste daquele, mas meditando o que Bueninho me disse, achei que Dolores realmente ficaria feliz, já que o faria em sua homenagem.

       __ Aceito Bueninho. Vou lavar o rosto, enxugar as lágrimas e volto já.

       Fui ao toalete recompor-me, sob um misto de tristeza e revolta. Voltei para o salão e me dirigi às taxis-girls.

       __ Qual de vocês dança tango apache?

       Eram cinco e quatro olharam para uma que levantou-se per-guntando-me pelo cartão. Nisso, antes que eu respondesse, Bue-ninho fez um sinal para ela com o polegar para cima e ela sorriu para mim. Notei que ela não estava acreditando muito naquele homem de cabelos brancos e que, condescendentemente, me faria apenas o favor de satisfazer um desejo do qual eu não seria capaz de realizar.

       __ Qual o seu nome? Perguntei-lhe

       __ Flor de Liz.

       __ Não quero o seu nome artístico, quero saber o real.

       __ Alice.

       __ Você conheceu Dolores?

       __ Sim! Ela era chefe da cozinha.

       __ Não, você não conheceu Dolores, refiro-me àquela que já era uma exímia dançarina, antes de você nascer.

       __ Ah! Sim! Ela me contava que antigamente dançava muito bem e falava muito num parceiro predileto que se chamava Ary. Qual é o seu nome?

       __ Paulo, às suas ordens!

       Solicitei licença por um minuto e pedi à orquestra que tocasse um tango, de preferência “Por Una Cabeza”.

       Fui com Alice para o tablado que ainda estava vazio e quando ela sentiu meu pegar em sua cintura, mostrou-se surpresa. Pergun-tei-lhe se ela ficaria zangada se eu a chamasse de Dolores. Ela consentiu e começamos os primeiros passos. Dancei como nunca e meu par correspondeu eximiamente a todos, até largá-la no chão e depois ajudá-la a levantar-se com o auxílio de minha mão ela o fez muito bem, voltava aos meus braços após rechaços por mim simulados. Terminamos em um falso beijo, boca a boca. Foi um tango apache tão bem dançado que fomos aplaudidos ao terminar. Cedemos aos pedidos de bis e novamente a orquestra tocou o mesmo tango. Nessa segunda vez nossa performance foi melhor ainda pelo entrosamento adquirido na primeira dança, mas, por faltar-me aquele fôlego que a juventude implacavelmente guardou com ela, tive que parar.

       Desconfiada, Alice tornou a perguntar-me se meu nome era mesmo Paulo.

       Apenas sorri e agradeci à Flor de Liz pela dança, beijei-lhe a mão e ofereci-lhe o cravo que estava em minha lapela.

       __ Aceite este cravo como se fosse a própria Dolores – OK?

       Voltei ao banheiro para desabar em prantos. Bueninho foi até lá me parabenizar e ofereceu a casa para qualquer dia que quises-se eu voltar. As portas sempre estariam abertas para mim. Mas ele sabia que aquela tinha sido minha última vez.

       __ Ary, Flor de Liz veio perguntar-me seu nome e eu disse, fiz mal?

       __ Depois que dançamos, ficou difícil enganá-la. Não fez mal algum, obrigado!

       Alice já dançava em meio a outros pares e lançou-me um sig-nificativo sorriso. Na descida da escada senti-me como que acom-panhado por Dolores me conduzindo até a rua. Do táxi, dei um derradeiro e patético adeus ao Cabaré do Bueno.

Ary Franco



Fundo Musical: Por una cabeza - Enzo Phirpo e sua Orquestra
 

 
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