1952 – Acabara
de prestar serviço militar, dando baixa como 3º sargento da reserva.
Dono do mundo, na faixa dos meus vinte anos de idade, sabia tudo,
ninguém sabia nada.
Reapresentei-me de
imediato na Empresa em que trabalhava, des-de os meus 16 anos
incompletos, como datilógrafo, estudando às noites. Amante da dança,
frequentador de bailes nas madrugadas de sextas-feiras, sábados e
vésperas de feriados, considerado exímio dançarino de boleros,
tangos e valsas. Tive a ajuda de um professor que gostava muito de
mim. Seus trejeitos efeminados, jamais abalaram minha simpatia,
respeito e gratidão que tinha por ele. Obrigado mestre Homero,
descanse em paz!
Num dos longínquos sábados
deste meu saudoso passado, Amâncio, um de meus amigos, sugeriu
quebrarmos a rotina dos bailes do Clu-be do bairro e “darmos um pulo”
no Cabaré do Bueno na Lapa. Lá era “baratinho” e as meninas dançavam
profissionalmente, pagas pela casa. Gastaríamos apenas com as
cervejas e tira-gostos.
Topei e fui a caráter, com
sapatos pretos (cromo alemão), calça “boquinha”, terno preto,
gravata cinza clara, cravo na lapela e cabelos penteados e esticados
a custo de muita Glostora. Subi as escadas e aboletei-me em uma das
mesas afastadas do tablado de danças. Amâncio, mais afoito, já
dançava sem preocupar-se na escolha da dama.
Enquanto bebericava uma
Brahma e saboreava uma empadinha de galinha, observava as dançarinas
evoluindo no salão. Chamou-me a atenção a habilidade de uma menina
orbitando minha idade. Num breve descanso dos músicos, aproximei-me
dela e convidei-a para dançarmos a próxima música. Ela aceitou e,
por sorte minha, tocou um tango.
Levitamos em passos largos
e notei uma mútua satisfação de nós ambos, nascendo automaticamente
uma empatia que maior afini-dade despertou em nós. Não paramos mais e
entramos madrugada adentro como par constante. Era uma jovem e linda
mulher da mesma brava raça do nosso heroico Ministro Joaquim
Barbosa, com belos dentes alvíssimos, deixando transparecer em seu
sorriso um sensual atrativo, além de um corpo exuberante.
Perguntei como
rotineiramente voltava ela para casa. Disse-me que tinha um táxi
certo que, nas madrugadas, por volta das 4:00h vinha buscá-la e a
levava para onde morava com a mãe inválida de-pendente de uma cadeira
de rodas e de acompanhante. Pai faleci-do e sem irmãos, ela era o
sustento da casa. A seu modo, para mim, era uma brava lutadora
fazendo valer suas aptidões!
Fiquei frequentador
assíduo e semanas após, nasceu entre nós algo mais que uma simples
amizade. Encontrávamo-nos durante as tar-des dos finais de semana,
frequentava a casa dela e até, às vezes, por lá dormia e tinha
ternos meus em seu guarda-roupas.
O velho Bueno não gostava
muito de que ela dançasse apenas co-migo e para cativá-lo, passei a
levar uma galera comigo que junta-va três mesas, fazendo uma boa
despesa no final das contas. Quan-do dançávamos, pares circundantes
nos olhavam com admiração e até abriam um espaço maior para evolução
de nossos passos. Oh! tempo bom que não voltará jamais! Recordar-te
é o que me resta!
Em nossos passeios,
Dolores sempre se vestia com esmerado apuro. Gostávamos muito de
assistir a filmes e nunca entrávamos no meio das seções. Ficávamos
na sala de espera dos cinemas aguardando o início do filme. Naquele
tempo o preconceito racial era hediondo e até mesmo agressivo.
Éramos alvo das atenções; todos nos olhavam com ares reprovadores e
nos abraçávamos mais por isso. Só era permitido aos homens entrarem
nos cinemas das cidades trajando terno. Íamos sempre no Metro
Passeio, Cine Palácio, Vitória ou Pathé na Cinelândia, centro do Rio
de Janeiro.
Na saída do cinema,
invariavelmente fazíamos um lanche na Sorve-teria Americana e,
novamente, todos nos olhavam. Sentia uma revolta incontida dentro de
mim e, por vezes, encarava aquele que mais ousada e acintosamente
nos olhava. Maldito preconceito!
Nosso relacionamento foi
ficando difícil quando ela passou a me querer todos os dias, que
abandonasse o meu emprego, transfor-mando-me num gigolô. Passando por
cima de detalhes não muito importantes, pouco faltando para um ano
de nosso romance, resol-emos terminar nosso namoro, derrotados pela
cruel impossibilidade e total incompatibilidade de seguirmos em
frente. Éramos dois contra o Mundo e acabamos cedendo. Naquela época
seria uma luta inglória...