O controvertido ser humano

Recebi em 12/05/2013


Difícil, bem difícil você conseguir doar mais do que recebe. É uma luta constante para manter seu crédito positivo com o nosso Divino Criador. Procuro aproveitar as oportunidades que surgem ou inven-tá-las, mas não é fácil!

Saber lidar com o semelhante é um constante desafio e tenho aprendido muito com isso, tirando proveito da experiência adquiri-da a cada dia vivido. Relato abaixo alguns episódios aleatórios, para melhor elucidar onde quero chegar e provar o enunciado des-ta minha crônica.

Cansado de ficar sentado no banco da praça à espera de que minha esposa termine de fazer suas compras no supermercado, resolvi ocupar este meu tempo ocioso ajudando o próximo.

Nas ruas circundantes e em dois estacionamentos próprios daquele estabelecimento, destinados aos fregueses, existe um ininterrupto fluxo de veículos à procura de vagas, difíceis de serem encontra-das. Então decidi bancar um “flanelinha”, avisando aos recém-chegados onde estacionar. Faço sinal com a bengala de meu uso provisório, espero, apontando à distância a vaga disponível ou “dando a dica” verbalmente ao motorista, caso esteja ele ao al-cance de minha voz.

As reações são as mais controversas. Uns, após estacionar vêm agradecer-me, outros acenam de longe para mim com o polegar para cima, outros nem olham para a minha cara, as mulheres sempre agradecem com um recatado sorriso desenhado no rosto. Se as compras da minha metade são demoradas, procurando os produtos MB (mais baratos), alguns “ajudados”, no retorno aos seus carros, renovam seus agradecimentos com um “valeu”, “quer uma carona pra casa?” ou um simples mas igualmente gratificante “obrigado”. Aí, nesses momentos, sinto uma alegria enorme de ter prestado ajudas desin-teressadas.

Aconteceu uma vez de ter extrapolado o meu “querer ajudar”, avisando ao motorista que se afastava do carro após estacioná-lo, a respeito dos vidros esquecidos abaixados. Ele olhou-me como que me achando um pateta, apertou um botão no seu chaveiro, de cos-tas para o veículo, tocou um bip e os vidros levantaram como num passe de mágica. Fiquei com cara de bobo, vítima das inovações do modernismo. O meu “Rolls Royce” modelo gol 91, levanta os vidros acionados manualmente por manivelas internas; agora é tudo auto-matizado. A única vantagem que levo é que o dele pode enguiçar; o meu jamais!

Uma vez corri para emparelhar meu carro com o de uma “distinta senhora” e ao gritar avisando-lhe “OLHA A PORTA ABERTA”, ela imediatamente gritou-me de volta “É A TUA MÃE!”. Reduzi a velo-cidade e deixei-a prosseguir com a porta do carona mal fechada e toda feliz da vida por ter respondido à altura a “ofensa” recebida. Mas não mais feliz do que eu de ter feito minha parte, o certo, o correto, o bem intencionado! Doutra feita foi a calota que se soltou do carro que vinha à minha frente. Dei uma buzinada, pisquei o farol na sua retaguarda e consegui avisar ao motorista do ocorrido, na esperança dele interessar-se em voltar para recuperar a calota desprendida. Ele provavelmente tomando-me por um perigoso ladrão com cabelos pintados de branco que estava dando o golpe de um novo tipo de assalto, respondeu-me: “Não faz mal, depois compro outra” e acelerou o carro, desaparecendo de minha vista. Tive sorte de não ter uma patrulha policial por perto, pois acho que seria acu-sado por ele de tentativa de assalto.

Dificilmente subo a ladeira rumo à minha casa, sem dar carona prioritariamente a idosos. Alguns já me conhecem, mas eu não tenho mais aquela memória fotográfica e fico surpreso quando sou reconhecido. O Sr. Já me deu carona noutro dia, lembra? Se o ido-so está carregado de compras e sua residência fica nas imediações da minha, “dou uma esticada” e deixo-o na porta de casa. Sinto uma felicidade imensa quando recebo aquele “muito obrigado” tão sincero...

Para variar, às vezes compro um pão francês e picando-o em peda-ços diminutos, atraio pombos à volta do banco da praça em que me aboleto, Como é gratificante poupar aqueles pobres coitados de permanecerem com seus papos vazios e mal alimentados. Alguns são mães que têm filhotes nos ninhos a esperá-las para regurgita-rem em seus bicos abertos e famintos o alimento de que tanto necessitam. Mas existem pessoas que fazem questão de passar exatamente onde estão os pombinhos a comer, obrigando-os a voar pelo simples pra-zer de espantá-los e, se algum deles não se intimida e a fome fala-lhe mais alto que a cautela, permanecendo sem assustar-se, está ar-riscado a ser chutado pelo desalmado ser humano.

Se vejo um carro com a bateria arriada sendo empurrado por uma ou duas pessoas para pegar no “tranco”, sou incapaz de passar in-diferente e junto-me a eles para ajudar, Alguns lançam protestos, achando desnecessária minha ajuda e uma temeridade por causa de minha visível idade avançada, Mas ignoro e presto minha solida-riedade assim mesmo, em que pese o coração ofegante mas feliz após o esforço por mim despendido. Ficou-me a gratificante espe-rança de ter angariado mais amizades.

Hoje dou minhas caminhadas matinais com o auxílio de uma bengala que pertenceu ao meu querido e falecido pai. Estou em crise com uma “hérnia de disco” e a coluna vertebral me dói muito, mas andar é preciso, se parar morro. Então, tenho por companheiro nestas minhas atuais andanças o Sr. Werneck, 88 anos e companheiro de bengala. Andamos no mesmo ritmo e trocamos grandes experiências passadas.

Terminando, confesso que gostaria de poder fazer mais. Visitar hospitais, orfanatos, asilos, sanatórios mas falta-me tempo e força física para tal. Longe está minha intenção de bancar o Bom Samari-tano mas gosto de ajudar, sempre que possível e, em casos extre-mos, mesmo quando impossível.

DITADO ANTIGO: “Aquele que não vive para servir, não serve pa-ra viver.”

Ary Franco
(O Poeta Descalço)




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