Talvez o título mais adequado fosse “Como Doeu!”, mas não quero dar um enfoque dramático a este acontecimento que já distante fi-cou do meu presente.
Pelo contrário, prefiro valorizar a experiên-cia que dele tirei endurecendo um pouco meu romântico e desar-mado coração adolescente.
Desde que acordara, contava os minutos que faltavam para o apo-teótico encontro com meu “eterno” amor, às dezessete horas. Irí-amos ao cinema!
Sapatos engraxados, documentos, calça com vincos impecáveis, melhor camisa de puro linho, cabelo esmeradamente
penteado, usando perfume suave e sedutor, frases e sorrisos ensaiados frente ao espelho, lá fui eu para o local do encontro vinte minutos antes da hora aprazada.
O bonde parecia-me lento e demorou dez sécu-los, digo, dez minutos para chegar ao meu destino.
Finalmente, em lá chegando, consultava constantemente o meu re-lógio de pulso, cujos ponteiros moviam-se lentos
e indiferentes ao meu anseio. A seção iria começar, muitos já haviam comprado seus ingressos e lotavam a sala de espera. Quinze minutos de atraso, eram 17:15h.
Meu aguardo já durava vinte e cinco minutos; parei de consultar o relógio e meu olhar passou a vasculhar os horizontes à minha volta. Um suor gelado começou
a tomar conta de mim. O lenço! Esqueci-me do lenço! Falha gritante e imperdoável. O filme era dramático e se ela chorasse, como iria enxugar-lhe as lágri-mas?!
17:30h e ela não apareceu despertando-me a sensação de que algo grave pudesse ter acontecido com Helena.
Sua casa não ficava dis-tante do local do logrado encontro e fui a pé até lá. Bati na aldra-va da porta e perguntei pela Lena. A senhora que veio atender-me
informou-me que ela tinha ido com umas amigas ao Parque de Di-versões Shanghai. O mundo desabou e o chão fugiu-me dos pés, ta-manha desolação que abraçou-me
naquele instante. Não podia! Não queria! Não devia chorar... e chorei, vencido pela inopinada decepção!
Fui à pracinha em que nos encontráramos e onde começara(?) nosso namoro. O banco em que estivemos sentados
estava ocupado e procurei um outro. Olhei para o por do sol que já insinuava seu despedir e novamente chorei. Enxugava minhas lágrimas com as mãos e rapidamente
secavam, afinal faltava-me o lenço esquecido. Lembrando-me do detalhe dessa minha imperdoável falha, sorri!
Recomposto, levantei-me, comprei um saco de pipocas salgadas, não tanto quanto as lágrimas provadas e voltei
ao banco, sabore-ando-as lentamente. Ficou um restinho de sal no fundo do saco e derramei-o na boca, causando-me sede. Tomei um suco de laranja e comentei com
o dono da carrocinha sobre a noite que chegava. Ele murmurou algo ininteligível e virou-se para atender outro fre-guês.
Ao tomar o último gole do suco, passaram por mim duas lindas mo-ças. Uma delas sorriu para mim e sussurrou
algo no ouvido de sua colega. Ambas viraram-se para trás e me olharam candidamente. Amassei o copo de papel, joguei-o na lixeira da carrocinha e fui atrás
de meu novo “eterno” amor. Por ironia do
destino, também chamava-se Helena, assolando-me um desestimulante início naque-le novel relacionamento.
Mas pode me chamar de Lena, disse-me ela. Sorri e brincando res-pondi-lhe que meu nome era Ary mas que
poderia me chamar de querido, que eu não me importaria. Rimos bastante e fomos os três ao cinema... ver o mesmo filme que eu iria assistir com Helena, a primeira,
aquela que me deu o bolo. Tomara que minha nova na-morada não seja sentimental, a ponto de verter lágrimas, pois con-tinuo sem o lenço esquecido para oferecer-lhe.
Passei a ir em todos os meus futuros encontros com o coração pre-parado, mais endurecido e não tão desarmado.
Mas, infelizmente, continuou ele com o mesmo incurável romantismo. Desse mal, não consegui, até hoje, livra-lo! Cupido faz dele seu alvo preferido
dis-parando impiedosamente suas flechas, sem errar uma sequer!