Na noite passada, estava calibrando os pneus do meu
carro, quan-do
vejo um homem andrajoso, barba e cabelos longos, sorvendo
etanol de uma
das bombas abastecedoras.
Gritei estarrecido para os
empregados do posto,
apontando o inusi-tado da cena.
Um deles, vendo meu espanto, veio até mim e
explicou-me que era
um “cachaceiro” inveterado e já conhecido na região.
Sempre
que não conseguia dinheiro suficiente para manter o seu vício, recorria aos
postos de gasolina para beber o álcool que fica-va no bico das mangueiras.
_Mas isso é veneno! Vocês não poderiam deixar!
_Moço, o irmão dele já fez de tudo para interná-lo mas ele
conse-gue
fugir e volta pras ruas, não tem jeito!
_Só queria saber o que leva uma pessoa a descer tanto como ser humano que é...
_Bom, conta o irmão que ele perdeu o filho único
e a mulher, num
acidente de carro, quando dirigia.
Perdeu uma perna no acidente e quando
teve alta médica no hospi-tal, ficou pelas ruas, sabendo que
esposa e filho já
tinham sido se-pultados.
Largou o emprego e não voltou pra casa, abandonando tudo.
Já tem um ano que aconteceu o acidente e
nem sei como ele ainda
está vivo!
Fiquei chocado, vendo aquele homem se afastando sem tomar co-nhecimento da chuva que caía.
Pedi ao rapaz uma folha de papel em branco e
ganhei do Posto um caderno de brinde.
Manobrei para local
mais iluminado,
acendi a luz interna do carro e, com os óculos embaçados pelas
lágrimas, no
repente da emo-ção, rabisquei o seguinte poema:
FARRAPO HUMANO
Em passos lentos, sob a chuva,
vai ele caminhando...
Sem abrigo e sem pressa, pro seu destino inclemente.
Voltando para sua solidão; ninguém lhe esperando...
Leva apenas consigo, seu pobre coração plangente!
Uma brisa sopra e enregela sua
roupa encharcada,
Não mais do que a triste alma desse pobre coitado.
Avista uma acolhedora marquise mas já está ocupada.
Talvez por outro excluído, mais um pobre desgraçado.
Comovente estória. Seu caminho
é sem volta, só de ida.
Torce pra morte chegar, querendo acabar com sua vida.
Procurando esquecer sua desdita, abdicou da comida
E com esmolas que lhe dão, consegue comprar a bebida.
Desceu tanto que minha mão não
consegue alcançar.
Impossível ajudar a quem não quer se recuperar...
Um Natal triste deverá ter esse meu irmão indigente.
Verdadeiro farrapo humano que deixou de ser gente!
Que Deus se apiede de sua
alma, quando lá em cima chegar
E que ao lado de seu filho e esposa possa ele se aconchegar.
Pobre anônimo, pobre homem com seus poucos dias contados.
Sucumbistes com o peso de tua cruz e me deixastes abalado!
Ary Franco
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