Frente e verso

Recebi em 27/02/2011


Menino de Rua

Menino de rua, sem futuro, sem destino
Abandonado, vagas ao leu, em desatino.
Nada podes esperar do teu incerto porvir.
Muito choras, pouco tens que te faça rir.

Vítima de um lar sem berço e desfeito.
Lançado à rua, sem um beijo nem carinho.
Buscas em desespero um rumo em teu caminho,
Mas tua bússola só te leva a atos mal feitos.

Só te viram as costas nesta nossa sociedade.
Não te dão chance de alcançares a felicidade.
Sem abrigo à noite, tens por teto apenas a lua.
Pobre menino de rua, que triste sina a tua.

Ary Franco

Frente e Verso
(Crônica)

       Depois que escrevi o poema acima, lembrei-me do preconceito que temos com os meninos de rua e os alertas que recebemos sobre a má índole deles (injustamente generalizada). Cuidado! Se você parar em um semáforo e não der um trocado, eles jogam ácido no seu rosto ou te ferem com um caco de vidro... Quando você estacionar em algum lugar e não deixar que eles tomem con-ta, na volta teu carro vai estar arranhado ou com um pneu fura-do...

       Tempos atrás, quando morava na cidade do Rio de Janeiro, di-rigindo-me à casa de meus pais, no bairro de São Cristóvão, próxi-ma à Quinta da Boa vista, fui obrigado a parar num sinal verme-lho e fui abordado por um menino de uns seis anos, mais ou menos.

       _ Moço... me dá um real?

       _ Qual é o seu nome?

       _ Daniel

       _ Quantos anos você tem?

       _ Anda logo,  moço. Tenho que pedir três carros em cada si-nal, senão mamãe briga comigo!

       Dei o real que estava no cinzeiro e ele foi correndo pro carro que estava atrás do meu. Reparei uma senhora, parada na esquina oposta do cruzamento, e achei que era ela a mãe do menino. No si-nal verde prossegui e estacionei um pouco mais adiante, voltando a pé para o cruzamento, dirigindo-me à tal senhora. Durante minha caminhada, escutei um barulho de batida de carros no cruzamento seguinte, mas prossegui no meu intento.

       _ Boa tarde, a senhora é a mãe daquele menino? Perguntei apontando para o Daniel.

       _ Você é da puliça?

      _ Não, sou apenas uma pessoa querendo ajudá-la. A senhora não acha o Daniel muito pequeno para se arriscar no meio do trân-sito, em busca de uns trocados?

       _ Achu sim, mas nós semos em cinco e tenhu qui levá dinheiro pra casa.

       _ Seus outros filhos estudam?

        _ Não, eles tão em outros sinal. Si eu não levá dinheiro pra casa, pro meu marido bebê cachaça, ele quebra tudo e bate im nóis. Mais um dia isso vai cabá, o meu mais véio  sempre diz, quan-do eu apanho: Não chora não mãe, quando eu crecê eu vô matá ele. Ele tá com quinze ano, limpa os vidro dos carro e já pensou inté em rôbá, quando num consegue o dinheiro nu finar du dia.

       Bom, deixando minha decisão nas mãos de Deus, dei uma nota (o valor não interessa) à tal senhora e ela, num esforço supremo, por não estar acostumada a sorrir, sorriu. Pareceu-me ver alguns cacos de dentes em sua boca mas não posso afirmar que o fossem.

       _ Brigada, moço. Agora vô tê qui trocá essa nota em bastante miúdu pra dar pra muitos dia. Deus pague o sinhor!

       _ ÔH DANIEL! Gritou ela: VAMU IMBORA!

       Eu voltei pro meu carro e sorri. No limpador do para-brisa es-tava uma multa por estacionamento em local irregular. Olhei pa-ra o alto e pensei: “Desculpe-me Senhor, mas esta eu não enten-di...” Sei que deve haver alguma explicação ou uma mensagem Sua para mim. Perdão por não ter entendido. Sei que mais adiante sa-berei a resposta!

       Deixei a multa onde estava e fui para a esquina onde tinha ocorrido o acidente. A ambulância dos bombeiros estava chegan-do e eu dirigi-me ao guarda de trânsito.

       _ Foi o sr. que multou meu carro? Apontando para o meu Gol verde.

       _ Fui eu sim. Ali é “Carga e descarga”. Mas eu estou vivo por ter ido multar seu carro. Estes carros esmigalharam o muro desta esqui-na em que fico. O azulzinho avançou o sinal e acabou com o outro. Não tinha dado tempo de eu sair fora. Felizmente ninguém morreu. Só os motoristas é que ficaram bem feridos.

       _ Você está com a multa aí?

       _ Não, está lá no para-brisa do carro.

       _ Olha, me faz um favor: busca ela pra mim, não precisa mais pagar. Quero guardar esta multa comigo, como recordação do dia que escapei de morrer. Vou arrancar a cópia dela do meu talão – OK?

       Voltei ao carro jurando que aquela placa de “Carga e Descar-ga” foi colocada depois que eu estacionei. Como é que eu não a tinha visto? Peguei a multa e levei-a ao guarda. No seu crachá es-tava o nome Alexandre.

       _ Obrigado, Alexandre! Olha, meus pais moram logo ali e não vou conseguir passar com o meu carro nessa confusão. Vou a pé fa-zer uma visitinha a eles e volto já. Posso deixar o carro onde está? É rapidinho...

       _ OK! Deixa o “pisca alerta” ligado e não demora, certo?! Po-de me chamar de Alex. Tô sempre por aqui...

       Caminhando, pensei: Se eu não estacionasse o carro pra falar com a mãe do Daniel, teria sido eu o abalroado no acidente e o Alex teria morrido. Olhei para o alto e  pensei em voz alta: Se-nhor, não precisava me explicar, tão depressa!

       Aí avistei meus pais que estavam na porta do prédio em que moravam e tinham escutado o barulho da “batida”. Pedi a benção, abracei e beijei os dois soluçando. Mamãe perguntou pelo meu car-ro e eu disse que estava logo ali, com uma Pessoa Muito Especial tomando conta dele. Então ela pediu-me para entrar pra tomar um copo d’água com açúcar, pois eu estava muito nervoso.

       Bom, aqui termina o relato fiel de uma lição do Nosso Criador que passo para vocês em forma de crônica. Fiquem com Deus!

Ary Franco


 

 
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