Nini acordara feliz, naquela manhã.
Sua casa
nova estava quase
pronta.
As chuvas do
mês de março foram intensas e acabaram por des-truir o pé de Monstera que lhe servia de morada.
Seu amigo Samuel conseguira para ela uma nova morada, que se
localizava no mesmo jardim.
O grilo
Samuel viera buscá-la para verem a nova moradia.
Desta vez, ele
escolhera um local mais elevado, onde as águas de chuva não
conseguiriam mais carregar a sua casa.
Mal Nini acabara que fazer seu desjejum, Samuel já
estava a
chamar-lhe:
_ Vamos, Nini!
Aquela planta não ficará esperando por ti muito tempo!
_ Já vou,
Samuel!
Espere apenas eu colocar meus sapatos!
E lá se foram
eles até o local, onde seria o novo lar de Nini.
Ela estava
muito ansiosa para conhecer o novo local.
Desde que
a enxurrada levara sua casinha, estava morando com Samuel.
Ele era um
bom amigo, gentil, educado, mas Nini sentia-se desconfortável na casa dele.
Afinal, grilos e joaninhas têm hábitos diferentes.
Voaram alguns metros, mas como eram pequenos, o seu voo pa-receu
a eles, ter muitos quilômetros.
Chegaram a uma grande construção branca, com uma enorme
varanda.
Gigantescos vasos estavam colocados, na amurada daquela saca-da
e deles pendiam uma profusão de flores e folhas, que encan-taram
o olhar de Nini.
_ Que lugar
de sonho, Samuel! – exclamou Nini, mal conseguindo conter seu encantamento.
_ Gostaste,
mesmo? – perguntou o grilinho.
_ É aqui
perto que será a minha nova casa?
_ Sim, Nini!
Será ali, num daqueles vasos de onde pendem aquelas flores
grenás.
Vamos até lá!
Eles bateram asas mais um pouquinho até pousarem no parapei-to da
mureta que cercava a varanda.
_ Em qual
deles irei morar? - perguntou ela com seus olhinhos inquietos.
Todas as flores eram tão lindas, com tantos matizes...
Era quase
impossível pensar que haveria um local desocupado para ela.
Samuel
segurou a mão de Nini conduzindo-a ao último vaso.
Lá
se achava uma joaninha mais idosa.
Sua carapaça não brilhava tanto e as bolinhas antes pretas, co-meçavam a embranquecer.
Nini
olhou para a joaninha-anciã e de pronto simpatizou-se
com ela.
_ Bom dia,
Dona Adelina!
Como tem passado?
_ Bom dia, Samuel!
Ando um pouco cansada.
Já não consigo mais
voar como antes!
Esta linda joaninha preta de bolinhas vermelhas
é Nini?
_ Sim,
senhora, eu sou Nini!
A senhora é muito gentil.
Minhas
bolinhas são falsas!
_ Eu sei, minha filha, Samuel contou-me sua história!
Mas vamos
entrar!
A casa de dona Adelina era a legítima casinha da vovó.
Tudo
tão arrumadinho, os móveis limpinhos, lindas toalhas de
crochê sobre
os móveis.
Num
canto da sala, havia uma mesinha redonda
com muitos
porta-retratos.
Nini olhou para eles com atenção.
_ São seus
filhos? - perguntou ela curiosa.
_ Não, são meus sobrinhos!
Eles vivem em Portugal.
Faz muitos
anos que vim para o Brasil!
_ E nunca
mais viu sua família?
Os olhos de dona Adelina encheram-se de lágrimas e sua voz
calou-se.
Samuel interviu:
_ Não falemos
mais sobre isso!
Dona Adelina tem saudades de Lisboa, mas não
tem mais idade para viajar até lá.
_ Desculpa se
a fiz chorar com minhas perguntas!
_ Não tem
problemas, minha filha.
Sou apenas uma velha joaninha chorona!
_ A senhora é querida!
Faz lembrar minha mãezinha que está no
céu das joaninhas!
_ Querida,
és tu!
Será um imenso prazer ter a tua companhia
nesta casa!
_ Como,
Samuel?
Eu vou viver aqui! - exclamou ela surpresa.
_ Sim!
Não te
agrada, Nini?
_ Muito!
Eu
nunca pensei que poderia viver num vaso tão lindo e com uma senhora
tão simpática.
_ Então, Nini!
Seja bem-vinda ao meu vaso de sardinheiras!
_ Sardi... O
quê? - perguntou ela, confusa.
_ Nini! –
falou Samuel, _ Sardinheiras é o nome dos Gerânios lá
em Portugal.
_ Ah!
Compreendi!
Desculpam a inha ignorância, dona Adelina!
_ Não fique a
preocupar-se, filha!
De agora, em diante temos
muito tempo para acertarmos as diferenças de vocabulário.
Eu
sou velha cá no Brasil, mas não consigo esquecer a maneira de falar de
minha
terra!
- Eu vou para
minha casa!
Adeus, Nini!
Adeus, dona Adelina!
Fizeram as
despedidas.
Samuel partiu contente, pois mais uma
vez tinha conseguido ajudar sua amiga Nini.
As duas seriam muito felizes juntas, pois ambas não tinham mais
nenhum parente por perto.
Passaram-se
os dias.
Nini e dona Adelina tornaram-se muito amigas e até
confidentes.
A joaninha mais nova gostava de ouvir as histórias e experiên-cias de sua amiga mais idosa.
Certa manhã, ao acordar Nini teve uma surpresa que a fez sair
pela casa aos berros, assustando dona Adelina.
_ O que
houve, Nini? – perguntou a anciã.
_ Olhe, mamãe
Adelina, minhas asas!
Dona Adelina
colocou os óculos e vagarosamente aproximou-se de Nini.
_ O que tem
de errado, menina?
_ Minha carapaça
está vermelha com bolinhas pretas?
Milagre!
_ Não, Nini, não é milagre!
Eu vou te explicar.
Nós, as joaninhas, somos insetos e os insetos sofrem ecdises ao longo de suas
vidas.
_ Ecdise!?
Que é isto, afinal?
_ Vê-se mesmo
que és jovem, muito jovem!
Os insetos mudam
as suas carapaças para que seus corpos pos-sam crescer.
Esta deve ser
a
sua primeira ecdise, por isso o susto.
_ Como fiquei
vermelha?
Eu era preta, todinha preta!
_ Isto sim pode ter sido um milagre, minha filha!
Um grande milagre!
Denise Severgnini
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