Eu estava sem inspiração.
Queria escrever alguma coisa que prestasse, não aqueles contos sem
graça que ninguém gostava. Já estava cansado de ver os
fami-liares lendo meus contos e dizendo, muito sem jeito, que
“estavam bons”.
Saí sem rumo e fui para o metrô, tentando encontrar algum as-sunto
pra escrever.
Reparei naquele monte de gente, tão diferente uns dos outros,
esperando o trem, e pensei: ótima oportunidade para observar e
escrever um conto interessante!
Um rapaz alto, de calça jeans e camiseta, pulou a roleta e me
encarou com arrogância, como se dissesse: - e daí?
Era “sarado”, jovem e forte como um atleta. Quando comparei meu
corpo franzino com o dele, a minha raiva passou na hora.
Virei o rosto, fingindo não ver.
Uma mulher muito gorda, com um vestido cheio de flores ama-relas,
carregava um carrinho de feira. Em sacos plásticos transpa-rentes,
tomates, repolhos, bananas e outros alimentos. Por cima de tudo,
duas caixas de ovos, dessas que a gente compra no super-mercado.
Atrás da mulher dos ovos, estava o que realmente me interes-sou: uma
moça alta, esguia, cabelos longos caindo em cachos pe-las
costas. Elegantemente vestida. Saia preta e blusa branca de se-da.
Levava uma bolsa a tiracolo e uma pasta na mão. Sapatos de salto
alto, realçavam as lindas pernas!
Era a imagem da mulher executiva! Não me contive, e fui me
aproximando devagar, como se não quisesse nada... De perto, po-dia
sentir o perfume. E que perfume!
Esbarrei de propósito em seu ombro, e pedi desculpas, pronto para
começar um papo.
Dois olhos castanhos me olharam friamente.
Um homem vestido em um elegante terno azul-marinho olhou-me com
olhar de reprovação.
Reparei em quatro adolescentes, estudantes, que me enviavam sorrisos
marotos...
Tinham aquela sensualidade inocente que encanta todo homem.
Quando eu ia puxar conversa com as lindas meninas, o trem che-gou.
Quando a porta do trem se abriu, uma multidão enlouquecida, quis
entrar no trem ao mesmo tempo!
O rapaz “sarado” deu um empurrão na mulher gorda de vestido de
flores amarelas, que esparramou-se por cima de mim,
derra-mando ovos, bananas, repolhos em uma verdadeira salada.
Ao cair, levei comigo a beldade perfumada, que estatelou-se no chão!
A beldade de cabelos cacheados levantou-se cambaleando, toda suja de
ovos, e deu com a pasta na cara da gorda, que revidou, agarrando
aqueles lindos cabelos, jogando a beldade por cima do rapaz
“sarado”, que começou a gritar desesperadamente - Socorro! Mamãe!
Alguém me ajude!
Eu estava sem poder me mexer, por baixo da gorda que saía no tapa
com a beldade e gritava feito uma louca: - Meus ovos! Meus ovos!
Outras pessoas entravam, escorregavam e caíam, piorando a si-tuação!
O homem de terno afirmava que a culpa era minha, que eu ha-via
empurrado a mulher do vestido de flores amarelas.
A gorda levantou-se, olhou-me com ódio e me bateu. Tentei ex-plicar
o que aconteceu, mas, a dona me bateu de novo! Eu queria explicar,
mas a gorda não me deixava falar, chutando e babando de raiva.
A beldade pegou do chão os dois últimos ovos inteiros e sem pe-na,
quebrou-os na minha cara!
De repente, todos estavam contra mim...
Fui vaiado e ameaçado!
Os guardas do metrô chegaram e acalmaram a mulher gorda que queria
me bater, a beldade que me chamava de canalha e o rapaz “sarado”,
que chorava sem parar por ter quebrado uma unha, que por sinal,
estava muito bem cuidada, e pintada de rosa-bebê.
Eu só queria ir embora, voltar pro meu canto...
Eu estava cansado. Estava envergonhado, sujo e sem um pé de sapato,
que se perdeu na confusão!
A gorda xingava, catava os legumes que sobraram, perguntando: - Quem
vai pagar os meus ovos?
A minha beldade me olhava com ódio no olhar, fazendo questão de
registrar queixa na polícia. Tinha a sua linda blusa de seda
ras-gada.
Um baixinho que havia escorregado nos ovos, só falava em me
processar.
As adolescentes, que eu admirara, gritavam me apontando: - Tarado!
Tarado! Esse cara é tarado!
Eu queria explicar que não era nada daquilo, mas era tudo inú-til!
Ninguém me ouvia! Ninguém me defendia!
Fomos para a delegacia, onde fui acusado de todos os crimes do
mundo!
Os presos daquela delegacia souberam que havia um tarado no meio da
confusão, e fizeram uma rebelião! Batendo com as cane-cas nas grades
das celas, gritavam: - Tragam o tarado pra gente! A gente “cuida”
dele!
- Fiquei gelado!!!
Afinal, depois de levar uma tremenda bronca do delegado, pagar os
ovos da gorda de vestido de flores amarelas, a blusa de seda da
beldade e pedir desculpas às quatro estudantes e ao rapaz “sara-do”,
fui liberado.
Cheguei em casa por volta do meio-dia! Os vizinhos que me vi-ram
chegar sujo, amarrotado e com um só pé de sapato, gritaram: - Aí,
cara! A farra foi boa!
Eu só queria tomar um bom banho, comer alguma coisa e dor-mir.
Queria esquecer aquele dia, o metrô e as beldades do mundo in-teiro...
Queria que o mundo se danasse! Que tudo fosse pro inferno!
Encontrei a casa num estranho silêncio. Preocupado, procurei por
meus pais e meus irmãos, mas não encontrei ninguém. Fui até a
cozinha e li o bilhete, na porta da geladeira:
- Asdrúbal, a companhia de águas avisou que vai faltar água du-rante
dois dias. Fomos para a casa do tio Zezinho em Xerém.
Se vira por aí!! Até depois de amanhã!! Mamãe.
- Desisto!!! Vou passar o resto da minha vida, escrevendo contos sem
graça, que ninguém lê!