Thor


        Filhote ainda, com a devida autorização do Ten. Cel. Bitten-court, comandante do meu batalhão, levei Thor para o quartel em que prestava meu serviço militar como 1º Tenente na Companhia de Comando.

        Adotado como Mascote, era respeitado e admirado por toda a Tropa. Maior parte do meu tempo era dedicada ao seu adestramen-to. Amigos incondicionais, ele aprendeu com facilidade tudo que lhe foi por mim ensinado. Quando em forma, durante todo o tempo da execução do Hino Nacional permanecia ereto ao meu lado, sen-tado sobre as patas traseiras. Olhar firme para a frente, imóvel, boca fechada e peito inflado.

        Brincávamos muito nos tempos vagos e eu, na hora do rancho, comia com ele fora do refeitório, sentado no meio-fio do pátio. Vá-rias concessões me foram dadas pelo Comando, diretamente da Ca-sa das Ordens. Essa era uma delas.

        Um dos grandes momentos era na solene grande Parada de 7 de Setembro. Na frente da tropa, em carro aberto, em pé, ia o nosso Comandante. De um lado, ambos a pé, seguia o seu Ajudante de Ordens e do outro o Cabo Corneteiro. A seguir, uns oito metros de distância atrás, marchava eu levando na guia o Thor trajando um colete verde e amarelo. Ele aprendeu a obedecer todos os co-mandos da corneta. Até o “olhar à direita”, quando passávamos frente ao Palanque Presidencial, ele sabia fazê-lo com um sutil si-nal dado por mim na sua coleira. Aplausos ele arrancava do público quando de sua passagem, principalmente das crianças que assisti-am ao Desfile, levadas pelos seus pais. De longe, poucos notavam as lágrimas de emoção rolando em minha face. Minhas botas bati-am mais fortes no asfalto, mais fortes que todas as outras, assim sentia eu!

        Thor, pastor alemão manto negro, não aceitava fardamento que não fosse o verde oliva. Quando em meio a “estranhos” (Bom-beiro, Marinha e Aeronáutica) costumava atacar e eu me via em palpos de aranha para conter suas investidas àqueles que dele eventualmente se aproximassem.

        Eclodiu a 2ª Guerra Mundial e fomos convocados para defen-der nossa Pátria. Por decisão unânime, aprovada pelo nosso Co-mando Maior, levamos conosco o valente e inseparável Thor, nosso amado mascote. Durante a viagem de dias, em navio de guerra, ele repousava sob a rede em que eu dormia. Éramos inseparáveis, na Paz e na Guerra.

        Na primeira batalha, entrincheirados, trocamos tiros e grana-das arremessadas por obus, com o belicoso inimigo. Na ausência da resposta de fogo de nosso antagonista, dei ordem de ATACAR e Thor adiantou-se a todos em desabalada carreira. Chamei-o de volta em vão e, ao chegar no campo adversário, já estava ele estraçalhando com suas mandíbulas o corpo exangue de um solda-do estranho trajando fardamento não verde oliva.

        Inopinadamente veio um tiro em nossa direção atingindo mor-talmente o nosso Thor. Gritei o mais alto possível admissível pelos meus pulmões: SEM PRISIONEIROS!!! Sem qualquer outra baixa aliada, dizimamos nosso inimigo e carregamos de volta para nossa base o corpo inerte de Thor.

        Antes de ser sepultado foi pendurada em seu pescoço a meda-lha da Grande Cruz por Bravura, enquanto o corneteiro tocava a marcha fúnebre em homenagem ao nosso Herói. Para amenizar minha dor, tinha o consolo em saber que ele morreria de saudade se o deixasse a sós no frio aconchego do quartel. Mas pequei quan-do o ensinei a atacar e esqueci-me de ensiná-lo a se defender, re-cuar...

        A cada batalha seguinte parecia que ele nos guiava nos com-bates encarniçados e sua lembrança redobrava nossas forças, fa-zendo-nos ganhar a guerra!

GRATO, VALENTE THOR PELO MUITO QUE NOS ENSINASTE!

Ary Franco

(O Poeta Descalço)



Fundo Musical: Amazing Grace
 

 
Anterior Próxima Contos Menu Principal