Nossa vida terrena é dividida em partes distintas, nem sempre alcançadas por todos. Às vésperas de completar minhas 78 primaveras, volto-me para os tempos idos e lembro-me com sauda-des, até do dia de ontem em
que eu
era mais novo do que hoje.
Por lindos dez anos vivi minha INFÂNCIA como uma criança
saudável e sem que nada me faltasse, dentro das possíveis
disponi-bilidades de meus queridos e amados pais. Brinquedos dos mais va-riados, carinhos,
dengos & mimos,
até afetuosas e merecidas pal-madas por artes mal feitas.
Destaco uma passagem ocorrida nos meus oito anos de
idade. Mamãe
não queria ter nenhum cachorro mas eu adorava a
todos; sem outra opção,
principalmente, os abandonados nas ruas. Depois do banho tomado eu
ia para
a porta de casa, sentava-me no meio-fio e sempre tinha um petisco para dividir com a Diana, uma “street dog” legítima! Nos adorávamos!
Naquele tempo existia a temível “Carrocinha de Cachorros”
à caça de cães na rua. De dentro dela saíam uns “homens
maus” com
varas compridas e com um laço de arame na ponta delas. Sem
mai-ores dificuldades pegavam os cachorrinhos enforcando-os pelo pes-coço
e jogavam-nos na tal carrocinha (tipo jaula). Um dia presen-ciei a captura da Diana que
foi colocada junto com
mais uns 4 ou 5 cachorros já aprisionados. Ficariam num depósito
da Prefeitura por dois dias e se ninguém fosse buscá-los e pagar uma
multa, eram eletrocutados em grupos. Era um cômodo com chão de metal em que
jogavam água
e ligavam na eletricidade de alta voltagem para matá-los cruelmente.
Presenciei a cena da captura da minha amiga e entrei em desespero.
Os dois “homens maus” se afastaram da carrocinha à caça de um outro
cachorro. Corri para a traseira da jaula e com dificuldade de
alcançar o trinco, consegui abrir a porta, dando fuga a todos os cães. Agarrei a Diana e entrei em
casa correndo com ela no colo. Chorando, contei pra minha mãe o
que estava acontecen-do e ela deu guarida à Diana. Ela tinha sarna, pulgas, feridas,
etc...
Minha mãe pacientemente cortou os pelos da Diana com uma tesoura,
deu-lhe um banho no tanque de lavar roupas e pensou-lhe as feridas. Em
poucas semanas estava gorda e linda.
Acho que os homens da prefeitura ganhavam por animal
capturado e
foram contar pra minha mãe a arte que eu tinha fei-to. Escondido em
baixo da
cama com a Diana, escutei minha mãe pedindo desculpas e
dizendo que a cachorra era dela e que iria contar minha travessura para meu pai quando ele
chegasse do tra-balho. Papai escutou o relato da minha arte
e alisando meus ca-belos, disse-me: “Orgulho-me
de ti, onde está a nossa cachorra?”.
Esta é a estória do “meu” primeiro “au au”.
Em seguida, chegou-me a
ADOLESCÊNCIA
ou
PUBERDADE
por mais oito anos. Ela acabou com a minha inocência e fiquei no vácuo
de não ser mais criança e não chegar a ser um adulto. Tinha a
entrada barrada nos cinemas, quando o filme era proibido a
me-nores de idade. Arranjava namoradas mas não sabia ao certo como
beijar. Alguns condutores mais rigorosos não me deixavam viajar no
estribo e me botavam pra dentro do bonde. Foi uma fase difícil, parecida
com o da crisálida querendo livrar-se de seu incômodo casulo para alçar
voo.
Depois dos dezoito anos
tornei-me rapaz e alcancei a MOCI-DADE. Enfim, era um adulto. Dono do mundo, senhor dos meus atos, livre! Nessa liberdade, alistei-me no exército e comecei a
conhecer meus limites, regras de
comportamento e a compreen-der as obrigações a que estava sujeito, impostas pela lei da civili-dade. Servindo à Pátria por um ano, dei baixa
como 3º sargento.
Aos 25 anos casei-me mas só depois dos meus trinta anos
atingi a chamada MATURIDADE
, achando que já sabia tudo, sem nada
saber. Ignorando o quanto ainda tinha que vivenciar para ad-quirir a chamada experiência de vida.
Compreender que morreria aprendendo a cada dia vivido.
Depois que entrei nos “enta”, não mais saí. Quarenta, Cin-quenta, Sessenta,
Setenta... pronto! Tornei-me um
IDOSO já quase às vésperas de regredir à minha saudosa e linda
INFÂNCIA. Para isso, basta-me chegar a
ser um ANCIÃO
ao qual voltarão a dar-me comida na boca, com direito a babador,
usarei fraldas, não me deixarão sair sozinho e o pouco que eu diga, não valerá mais que um “
gugú-dadá”.
É o chamado “Fechamento do Ciclo
”.
Este é o pesado tributo a pagar pela LONGEVIDADE.
“Aquele que não quiser envelhecer, que morra quando jovem!” Ou então, mantenha-se um jovem idoso, sem deixar-se envelhecer... que nem eu!
Extraído do meu poema “Devaneios de um Insone”
Nasci, cresci, amadureci, constituí minha família...
Apenas poucos episódios recordo com melancolia: A partida de alguns amigos e de meus ancestrais.
Afora isso, realizei inúmeros sonhos magistrais!
Não teimei em querer recuperar o amor perdido.
Aprendi e conformei-me em amar sem ser amado. Coloquei as adversidades num passado esquecido.
Jamais quedei-me a chorar sobre o leite derramado!
Ary Franco
(O Poeta Descalço)
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