Quando criança, uma de nossas diversões, era adentrar um velho
casarão abandonado e percorrermos o labirinto de quartos que havia em seu
interior.
Fazíamos isso, enquanto o dia claro nos facilitava a visão na
meia luz reinante.
Escorpiões, lacraias e aranhas com suas teias
ornamentando sinistramente os umbrais das portas carcomidas por cupins,
eram os moradores hostis e habituais da velha
mansão.
Uma escada de madeira com a falta de alguns degraus, conduzia-nos
ao pavimento superior.
Pensar em ir ao sótão, nem imaginar!
O segundo andar
delimitava o máximo de nossa coragem.
Apenas olhávamos o alçapão com temor
e o coração pulsando mais acelerado.
Prova de coragem seria visitar o casarão durante a noite, mas isso
seria um desafio estoico, fora de cogitação!
Morcegos o habitavam e
dizia-se que almas perambulavam pelos corredores lançando gemidos de
arrepiar os cabelos.
Contava-se a estória de que um avarento idoso, proprietário daquele
imóvel, foi assassinado e seus herdeiros não entraram em acordo para posse
daquela herança, já que o falecido não deixara testamento algum.
Todos os
móveis foram saqueados e vazia ficou aquela enorme herdade citadina, a
espera de uma decisão judicial sobre o litígio da
partilha.
Finalmente chegou o grande dia, ou melhor dizendo, a grande noite.
Éramos seis, tremendo da cabeça aos pés, mas dispostos à grande façanha de
visitar o casarão, depois de escurecer.
Testamos nossas três lanternas,
caixas de fósforos, velas, mas o pai do Honório não quis emprestar o
lampião a querosene.
Quem não topasse “seria mulher do padre”, o mais baixo nível na
graduação da hierarquia daquele nosso grupo juvenil.
O mais novo de nós
era o “Miquimba” com 12 anos e o mais velho era o “Bituca” com 14, eu
tinha 13.
Quando o relógio marcou a hora aprazada (21:00), um temporal
começou a se formar com nuvens ameaçadoras, raios e trovões.
Todos nós
pensávamos a mesma coisa: “é melhor deixar pra amanhã”.
Mas ninguém se
atreveu a dizê-la.
Conforme íamos nos aproximando do objetivo, deixamos de andar em
grupo e uma fila foi se formando, cada um andando mais lentamente que o
outro, a fim de ser o último.
Atravessamos o mato alto, onde outrora seria
o jardim, e chegamos à porta maciça e imensa da entrada que se abria em
duas.
Estranhamos de estar fechada (não trancada), pois à tarde tínhamos
deixado a porta aberta.
Acendemos as lanternas e velas e empurramos a
porta que nos respondeu com aquele clássico e tétrico rangido.
Tudo bem
até ali.
A sala enorme vazia, sem os morcegos que já tinham saído para seu
passeio noturno.
Continuamos a nossa incursão, desta feita juntinhos,
assustando-nos com as nossas próprias sombras projetadas nas paredes
mofadas.
Nada nos quartos e nossa confiança foi aumentando. “Micha” sussurrou balbuciante, como que empurrando a pergunta garganta afora:
“Vamos lá em cima?
Balançamos as cabeças afirmativamente e começamos a
subir os degraus da escada que rangiam, ameaçando quebrar; pulamos os que
faltavam e alcançamos o “topo do
Everest”.
Antes dos primeiros passos examinamos com nossas lanternas e velas
o ambiente que foi súbita e assustadoramente iluminado pelo clarão de um
raio seguido do ribombar de um trovão.
O pânico deixou-nos a impressão de
que o raio teria caído no telhado.
“Miquimba” ousou fazer menção de dar
meia-volta e descer escada abaixo mas foi “delicadamente” agarrado pela
gola da camisa e desistiu de seu
intento.
Começamos então, passo a passo, a perscrutar o segundo andar. De
repente, vimos sair de um dos cômodos, em nossa direção, uma luz
bruxuleante e logo atrás dela um velho de barba branca e longa, segurando
uma vela acesa.
Ah!
Confesso que fui o segundo a chegar na rua.
Acho que
desci a escada, sem pisar num único degrau.
Juntamo-nos, os seis arfantes
e apavorados numa boa e segura distância do
casarão.
Corremos e só paramos sob a iluminação de um poste que nos
abençoava com sua salvadora claridade.
A chuva inclemente que nos molhava
não incomodava.
Concluímos, por unanimidade, que era a alma do velho que
morrera assassinado no casarão.
Quase meia-noite e ainda estávamos falando da aparição.
“Maninho”,
na fuga desabalada, perdeu a lanterna e previa que ia levar uma bronca do
pai quando ele desse pela falta dela.
Então, ficou resolvido que no dia
seguinte, SE FIZESSE UMA TARDE DE SOL, voltaríamos ao casarão para
recuperar a lanterna perdida.
Três dias se passaram e o tempo não melhorou.
Finalmente no quarto
dia, fez-se uma bela tarde ensolarada e voltamos ao casarão
após o almoço.
Lá estava, logo na
entrada, a lanterna do “Maninho”.
Seria um aviso para não mais entrarmos?
Por via das dúvidas, recuperamos a lanterna e voltamos pra casa jurando,
tão cedo, não mais pisarmos no casarão.
Só o faríamos quando
ficássemos adultos, mas, bem antes disso, três meses depois, o casarão foi
vendido e demolido, mediante acordo firmado entre os herdeiros.
E aí
ficamos sabendo que o corpo de um indigente com barba branca e longa foi
encontrado no sótão, em adiantado estado de
decomposição.
Resolvido o mistério?
Não!
Ficou-nos a dúvida: “Já teria ele morrido, na noite que apareceu para nós, segurando aquela vela
acesa?
Apesar do susto, tenho saudades daquele tempo.
Onde andarão meus
amiguinhos de outrora.
Que bom pudesse revê-los e relembramos esta nossa
fantasmagórica aventura!!!