O Casarão

Meus sinceros agradecimentos à querida Amiga

AUGUSTA
pela esmerada formatação que enriquece e emoldura este meu conto.
Ary Franco
 
 

 

Quando criança, uma de nossas diversões, era adentrar um velho casarão abandonado e percorrermos o labirinto de quartos que havia em seu interior.

Fazíamos isso, enquanto o dia claro nos facilitava a visão na meia luz reinante.

Escorpiões, lacraias e aranhas com suas teias ornamentando sinistramente os umbrais das portas carcomidas por cupins, eram os moradores hostis e habituais da velha mansão.

Uma escada de madeira com a falta de alguns degraus, conduzia-nos ao pavimento superior.

Pensar em ir ao sótão, nem imaginar!

O segundo andar delimitava o máximo de nossa coragem.

Apenas olhávamos o alçapão com temor e o coração pulsando mais acelerado.

Prova de coragem seria visitar o casarão durante a noite, mas isso seria um desafio estoico, fora de cogitação!

Morcegos o habitavam e dizia-se que almas perambulavam pelos corredores lançando gemidos de arrepiar os cabelos.

Contava-se a estória de que um avarento idoso, proprietário daquele imóvel, foi assassinado e seus herdeiros não entraram em acordo para posse daquela herança, já que o falecido não deixara testamento algum.

Todos os móveis foram saqueados e vazia ficou aquela enorme herdade citadina, a espera de uma decisão judicial sobre o litígio da partilha.

Finalmente chegou o grande dia, ou melhor dizendo, a grande noite.

Éramos seis, tremendo da cabeça aos pés, mas dispostos à grande façanha de visitar o casarão, depois de escurecer.

Testamos nossas três lanternas, caixas de fósforos, velas, mas o pai do Honório não quis emprestar o lampião a querosene.

Quem não topasse “seria mulher do padre”, o mais baixo nível na graduação da hierarquia daquele nosso grupo juvenil.

O mais novo de nós era o “Miquimba” com 12 anos e o mais velho era o “Bituca” com 14, eu tinha 13.

Quando o relógio marcou a hora aprazada (21:00), um temporal começou a se formar com nuvens ameaçadoras, raios e trovões.

Todos nós pensávamos a mesma coisa: “é melhor deixar pra amanhã”.

Mas ninguém se atreveu a dizê-la.

Conforme íamos nos aproximando do objetivo, deixamos de andar em grupo e uma fila foi se formando, cada um andando mais lentamente que o outro, a fim de ser o último.

Atravessamos o mato alto, onde outrora seria o jardim, e chegamos à porta maciça e imensa da entrada que se abria em duas.

Estranhamos de estar fechada (não trancada), pois à tarde tínhamos deixado a porta aberta.

Acendemos as lanternas e velas e empurramos a porta que nos respondeu com aquele clássico e tétrico rangido.

Tudo bem até ali.

A sala enorme vazia, sem os morcegos que já tinham saído para seu passeio noturno.

Continuamos a nossa incursão, desta feita juntinhos, assustando-nos com as nossas próprias sombras projetadas nas paredes mofadas.

Nada nos quartos e nossa confiança foi aumentando. “Micha” sussurrou balbuciante, como que empurrando a pergunta garganta afora: “Vamos lá em cima?

Balançamos as cabeças afirmativamente e começamos a subir os degraus da escada que rangiam, ameaçando quebrar; pulamos os que faltavam e alcançamos o “topo do Everest”.

Antes dos primeiros passos examinamos com nossas lanternas e velas o ambiente que foi súbita e assustadoramente iluminado pelo clarão de um raio seguido do ribombar de um trovão.

O pânico deixou-nos a impressão de que o raio teria caído no telhado.

“Miquimba” ousou fazer menção de dar meia-volta e descer escada abaixo mas foi “delicadamente” agarrado pela gola da camisa e desistiu de seu intento.

Começamos então, passo a passo, a perscrutar o segundo andar. De repente, vimos sair de um dos cômodos, em nossa direção, uma luz bruxuleante e logo atrás dela um velho de barba branca e longa, segurando uma vela acesa.

Ah!

Confesso que fui o segundo a chegar na rua.

Acho que desci a escada, sem pisar num único degrau.

Juntamo-nos, os seis arfantes e apavorados numa boa e segura distância do casarão.

Corremos e só paramos sob a iluminação de um poste que nos abençoava com sua salvadora claridade.

A chuva inclemente que nos molhava não incomodava.

Concluímos, por unanimidade, que era a alma do velho que morrera assassinado no casarão.

Quase meia-noite e ainda estávamos falando da aparição.

“Maninho”, na fuga desabalada, perdeu a lanterna e previa que ia levar uma bronca do pai quando ele desse pela falta dela.

Então, ficou resolvido que no dia seguinte, SE FIZESSE UMA TARDE DE SOL, voltaríamos ao casarão para recuperar a lanterna perdida.

Três dias se passaram e o tempo não melhorou.

Finalmente no quarto dia, fez-se uma bela tarde ensolarada e voltamos ao casarão  após o almoço.

Lá estava, logo na entrada, a lanterna do “Maninho”.

Seria um aviso para não mais entrarmos?

Por via das dúvidas, recuperamos a lanterna e voltamos pra casa jurando, tão cedo, não mais pisarmos  no casarão.

Só o faríamos quando ficássemos adultos, mas, bem antes disso, três meses depois, o casarão foi vendido e demolido, mediante acordo firmado entre os herdeiros.

E aí ficamos sabendo que o corpo de um indigente com barba branca e longa foi encontrado no sótão, em adiantado estado de decomposição.

Resolvido o mistério?

Não!

Ficou-nos a dúvida: “Já teria ele morrido, na noite que apareceu para nós, segurando aquela vela acesa?

Apesar do susto, tenho saudades daquele tempo.

Onde andarão meus amiguinhos de outrora.

Que bom pudesse revê-los e relembramos esta nossa fantasmagórica aventura!!!

 
Autor:
 

O Poeta descalço
 
Formatação: Augusta B.S.



Fundo Musical: Marea Baja
 
 
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