Nesta noite tive
um belo sonho e, ao levantar-me, corro ao
computador para descrevê-lo,
procurando não me esquecer de
nenhum detalhe.
Num transe emocional, as palavras foram dedilhadas no teclado,
formando o texto que segue abaixo:
Filho, quero contigo recordar:
Noventa e quatro anos completei em 24 de junho de 2006.
Tudo estava indo bem, até que na manhã de um dia de outu-bro daquele
mesmo ano, não consegui urinar. À tarde a bexiga cheia incomodava-me
muito e telefonei para ti, contando o que estava acontecendo.
Levaste-me ao
hospital e prontamente fui atendido no setor de emergência. Introduziram
uma sonda em minha uretra e a urina escoou para um saco coletor, de
plástico. Foi recolhida a quantida-de aproximada de 700ml.. O
médico de
plantão recomendou-me procurar um urologista, o que fizemos
na
manhã do
dia seguin-te. Após uma ultrassonografia da próstata, nova sonda
foi
reposta.
O médico chamou-nos e
te disse que o meu caso requeria uma cirurgia
mas que, na minha idade
avançada, ele não poderia garan-tir nada. Era de opinião que eu me
adaptasse, dali pra frente, ao uso permanente da sonda, trocando-a por
uma nova, de 25 em 25 dias. Recomendou-me cuidado
absoluto
pois esse
sistema seria um veículo constante de infecções e que
tomasse um
antibiótico dia-riamente, por precaução.
Não fui muito hábil nesse cuidado pois, na hora de urinar, retirava a
tampinha da sonda com
as mãos sujas e, às vezes, até esquecia onde a tinha
colocado. Mas
continuei resignado carregan-do minha cruz. Várias vezes tu me
levastes
para fazer a troca da sonda e exames periódicos.
Em princípio de fevereiro de 2007 ocorreu uma infestação de ratos no
apartamento em que
eu morava com tua mãe e telefonas-tes para um setor especializado da
Prefeitura. Os funcionários fo-ram à minha casa para dar combate aos
intrusos. Colocaram vene-no em lugares estratégicos e garantiram que
nos
próximos 3 ou 4 dias, todos os ratos estariam mortos.
No dia 18 daquele
mesmo mês, por volta das 9:30h, estava eu sentado
na minha cadeira de
balanço, quando tua mãe gritou avi-sando-me que tinha
um rato andando no
quintal. Já estava ele sob a ação do veneno e iria morrer
mesmo. Mas,
quis o destino, que eu fosse até lá, munido de uma vassoura, para acabar
de exterminar o intruso moribundo. Na tentativa de acertar o
rato,
caí
ao chão e não consegui levantar-me. Tua mãe pediu ajuda aos
vizinhos e
co-locaram-me na cama. Minha perna esquerda doía muito, na altura
dos quadris. Fostes chamado e me levastes ao hospital. O Raio X acusou que eu
estava
com a cabeça do fêmur fraturada.
Não havia ortopedista no hospital, era carnaval e ele estava em
Búzios. Depois de contatado, ficou de enviar um substituto para “dar
uma olhada”
em mim. Nesse ínterim, foi descoberta uma adiantada infecção
urinária, meu estado se agravou e arranjastes com um médico, amigo
teu, minha transferência de hospital.
Enquanto minha
infecção não fosse debelada, não poderia ser operado
para implantação de
uma prótese no colo do fêmur. Fui internado e durante o
dia ficavas à cabeceira do meu leito mas à noite tinhas que ir para casa, por
falta de
acomodações para per-noitar na enfermaria em que eu estava (Hospital
Público do Anda-raí – RJ).
Nesse ínterim, procurastes outros locais que me operassem mas, embora
não me dissesses, fiquei sabendo que eles não assu-miram a
responsabilidade
considerando-me um paciente terminal.
Sofria muitas dores
com a fratura mas não podia ser operado. Rezava
todas as noites, quando
sozinho, para Deus me levar e Ele atendeu-me, trazendo-me para Seu reino
no dia 20 de março de 2007, vítima de uma pneumonia (por
estar imobilizado na cama)
e culminando com um enfarto.
Tu chamastes o
médico, assim que chegastes pela manhã, alertando
que eu estava sem falar, suando demais e com a respira-ção ofegante.
Fui levado de imediato
para o setor de emergência mas nada pôde ser feito. Na minha
remoção, consegui abrir os olhos e te ver, meu filho. Lá estavas, na
minha
frente, junto a mim, apreensivo mas impotente. Foi a última imagem que
guardei, antes de minha partida.
Agora estou bem! Não
fiques preocupado comigo, fizestes o que foi
possível, faltou fazeres o impossível, ressuscitar-me! Beijos da tua mãe que
está aqui, ao meu
lado.
Que Deus esteja
contigo e sempre Te proteja, contra tudo e contra
todos que queiram
causar-te algum mal.
Neste ano, em 24 de junho, lembrar-me-ei do centenário do teu nascimento meu pai. Sei que aí em cima não existe calendário mas, aqui
em baixo
eu o tenho.
Obrigado pelo
sonho!?. Volte sempre que possível!
Peço a benção a ti e
à mamãe!
Ary Franco
(O Poeta Descalço)
Fundo Musical: Pai - Fábio Jr.
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