Em uma cabana no meio da floresta vivia um ancião, tendo por única companhia
sua cadela de estimação. Por muitos anos re-cebia visitas esporádicas de caçadores que levavam-lhe mantimen-tos em troca de eventuais pernoites.
Certa vez um dos caçadores encontrou o idoso morto em
seu catre e ao seu lado a cadela velando seu corpo. Condoído com a cena, juntou-se com outros amigos e providenciaram o funeral se-pultando o
corpo do velhinho no cemitério mais próximo.
Ninguém prestava atenção à cadela esquálida que acompa-nhava o féretro até a sepultura onde
foi enterrado o corpo de seu amado dono.
Terminadas as exéquias e, com a sensação do dever cumpri-do, cada um
retornou às suas casas mas a cadela aboletou-se sobre a lápide sepulcral dia após dia, noite após noite. Afinal ela sabia que ali
embaixo, sete palmos de terra cobriam o corpo do seu dono.
Aqueles que trabalhavam no cemitério, principalmente os co-veiros,
sensibilizados com a fidelidade e desprendido amor da cadelinha, adotaram-na levando-lhe alimento e água diariamen-te. Bem junto ao túmulo
havia uma frondosa árvore onde no iní-cio ela buscava abrigo durante as intempéries e o abrasante sol.
Apesar de não haver registro da existência de qualquer paren-te do falecido, a notícia do
perene velório canino se espalhou e a sepultura passou a ser a mais visitada pelos curiosos que lá afluíam, admirando aquele exemplo de
fidelidade, jamais igualado ao de qualquer ser humano. Aproveitando, oravam pela alma da-quele desconhecido ali sepultado.
Durante as noites que se seguiam o vigia já se acostumara aos lânguidos uivos da
cadela que os fazia com a cabeça erguida para o alto como que suplicando aos céus a volta de seu amo.
Pouco a pouco a cadela começou a saciar seu apetite com pouquíssima comida,
abstendo-se finalmente da alimentação. Pou-cos dias depois, durante uma violenta nevasca, a cadela sucumbiu sobre a lápide, vencida
pela irracional saudade, e o corpo dela foi enter-rado junto à árvore que tantas vezes lhe serviu de abrigo e bem próxima do seu amado dono.