Heróis Anônimos


        Véspera de Natal. A casa melhor ornamentada da rua ganha-ria um prêmio comprado com uma “vaquinha” feita por seus mora-dores, durante todo o transcorrer de 2012.

        A de número 46, do seu Felipe, parece que iria ser a vence-dora. Estava muito bonita, iluminada com lâmpadas coloridas espa-lhadas até no telhado e no pinheiro natural de seu frondoso jar-dim. A Família trabalhou por três dias consecutivos com alegre azáfama focada na magna data cristã. Se ganhasse o prêmio iria vendê-lo e doaria o dinheiro arrecadado a um asilo ou orfanato.

        No principiar do escurecer todas as luzes foram acesas, mas no mesmo momento, apagaram-se e toda a casa ficou envolta em forte fumaça e um cheiro de queimado invadiu o ambiente e adja-cências. O inesperado curto-circuito pegou todos de surpresa, cau-sando pânico com o irromper de um incêndio generalizado. Corti-nas, forro de madeira... tudo ardia em chamas, seguido da explo-são do bujão de gás. Todos correram para a rua, enquanto vizinhos acionavam o socorro do Corpo de Bombeiros que acorreu de ime-diato, isolando a área com uma fita em torno da casa em chamas.

        Todos choravam entristecidos e inconformados com o vácuo emotivo formado abruptamente, da alegria festiva para a dantesca tragédia. O mais inconformado era Thadeu que, com a insegurança própria de seus apenas nove anos de idade, agarrava fortemente a mão de sua mãe.

        De repente, ele desgarra-se da mãe, passa sob a fita que proibia a ultrapassagem e aos gritos corre em direção à casa em chamas. LADY, LADY! Era sua cachorrinha de estimação. Lembra-ra-se que ela estava presa à coleira nos fundos da casa e queria salvá-la a custo da própria vida.

        A mãe desesperada, tentou correr atrás dele mas consegui-ram agarrá-la. Dois bombeiros apontaram suas mangueiras contra o diminuto corpo do menino, mas a cada tombo, levantava-se e pros-seguia sua correria, até que conseguiu adentrar a casa. O “banho tomado” ajudou-o em sua missão pois suas roupas estavam enchar-cadas d’água. O calor era insuportável mas sua determinação era maior. A fumaça sufocava-o e impedia-o de enxergar o caminho, até que alcançou sua amada cadela. Estava desfalecida, inerte, presa à corrente pela coleira!

        Enquanto isso, cá fora, o Cabo Rodrigues apresentou-se ao Capitão responsável pela operação e, após a continência de praxe, pediu-lhe com olhos lacrimosos:

__ Capitão, permissão para busca e salvamento de criança em peri-go.

__ Pedido negado. Volte para seu posto!

__ Perdão Capitão, prenda-me depois, por desobediência à ordem recebida!

        Colocou rapidamente sua máscara protetora contra a letal inalação de fumaça e correu em direção às chamas crepitantes.

__ Prendam este homem. Gritou o Capitão!

        Parece que nenhum colega ouviu a ordem do superior, ou simularam não terem escutado.

        Minutos, representando séculos, se passaram e eis que surge Thiago com a Lady desfalecida no colo e usando a máscara do Cabo Rodrigues.

        Gritos de satisfação logo se calaram, na expectativa da volta do heróico bombeiro e eis que, segundos após, surge ele na porta e cai ao chão. Seus colegas o arrastam para uma das duas ambulân-cias que prestavam os primeiros socorros urgentes.

        Para a outra foram Thiago levando grudada a Lady e sua mãe.

        Todos foram salvos, graças à vontade de Deus. A cadela deu mais trabalho mas conseguiu escapar, também.

        Minutos após a casa ruiu e os bombeiros ocuparam-se apenas com a operação rescaldo. A única parede que permaneceu de pé e apenas chamuscada, foi aquela em que ficou pendurado o quadro com a imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo, que a tudo observou e orientou o caminho de todos os envolvidos no dantesco episódio.

        Tão logo o cabo, ainda na maca, pôde entender o que diziam, ouviu seu Capitão felicitá-lo pelo êxito da missão, preparar-se para brevemente receber a medalha de honra ao mérito pela bravura da ação além do dever e enfrentar julgamento por desobediência à ordem recebida. Embora torcendo pela sua absolvição, era uma providência que ele estava obrigado a tomar, como responsável que era pela vida de seus comandados.

        Para a Imprensa Thiago contou que no retorno, com a cadela no colo, quase desfalecendo pela inalação da fumaça, encontrou o “Tio Rodrigues” que cedeu sua máscara para ele, reanimou-o e gritou: VÁ, VÁ, VÁ!. Graças a ele pôde alcançar a saída e salvar-se incólume. O pior foi a quantidade de leite que o médico obrigou-o a tomar. Todos riram, quando ele disse que não gostava de tomar leite.

        O Cabo Rodrigues explicou à mídia que foi pensando em seu filho da mesma idade do Thiago, que criou coragem para ir em socorro daquele menino, até então seu desconhecido. Se não to-masse aquela atitude, como iria enfrentar seu filho e dizer que deixara uma criança morrer?

 

Nota do autor: Este conto, bem próximo de uma não rara realidade, é uma homenagem prestada à heroica Brigada de Incêndio de todos os países, nem tão merecidamente lembrada e valorizada quanto nossas gloriosas Forças Armadas.


Ary Franco
(O Poeta Descalço)




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