Colaboração
da amiga Rosimary Silva Santos
Ao revelar que a mãe do comediante morrera de sífilis,
o biógrafo Stephen Weissman provocou a ira dos herdeiros.
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Grandeza Chaplin com a mulher Oona e seis dos dez filhos:
mais de 80 filmes,
entre longas e curtas-metragens,
com ecos da infância infeliz. |
Com apenas 7 anos,
Charles Chaplin foi levado numa carroça até um orfanato,
iniciando a angustiante fase em que viveu separado da mãe Hannah e do meio-irmão mais velho Sydney.
Aquele trajeto percorrido em 1896 foi tão marcante que, anos de-pois, já aclamado como um dos maiores comediantes da história do cinema,
Chaplin inspirou-se
na lembrança para a criação de cenas clássicas dos seus filmes.
Basta observar o momento em que a jovem que acabara de ficar órfã (Paulette Goddard) em
Tempos Modernos
é carregada numa carroça, assim como o menino de
O Garoto, arrastado da mesma forma.
"E as tristes lembranças de orfanato, onde
teve a cabeça rapada para evitar piolhos, podem ter sido fonte para a maravilhosa cena do circo de pulgas que marcou a volta do palhaço Calvero, em Luzes da Ri-balta", completa o
psicanalista americano Stephen Weissman, que es-tudou durante anos a vida e obra do comediante para escrever
Cha-plin - Uma Vida.
O seu ponto de partida era encontrar, nos mais de 80 filmes reali-zados por
Chaplin, ecos da sua infância terrível.
Filho de artistas que logo entraram em decadência (Hannah, enlou-quecida, teve de se separar dos filhos por conta da extrema
miséria enquanto o pai, Charlie Chaplin Sr., definhou por conta do alco-olismo), o comediante, no entender de
Weissman, transformou
tra-gédias pessoais em comédia universal.
Claro que ele não deixa
Freud de lado, especialmente a teoria sobre a mente cômica funcionar como um caldeirão do id que, de forma automática,
transforma medos infantis em brincadeiras inocentes, cuspidas periodicamente pelo inconsciente.
Mas, diferente da grande maioria dos mortais,
Chaplin exibia um
ta-lento incomum para realizar tal processo.
Hannah Chaplin,
mãe de Charles Chaplin |
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Ao se aprofundar nas pesquisas,
Weissman descobriu, por exemplo,
que a mãe do comediante morrera em decorrência de uma sífilis con-traída
quando viveu em África.
A notícia, quando divulgada, despertou a ira dos descendentes de Chaplin - Geraldine, a filha mais velha, ameaçou processá-lo.
Mas a farta documentação convenceu os herdeiros que a visão edul-corada da mãe, apresentada pelo comediante na sua autobiografia
Minha Vida
(José Olympio), não passava de uma homenagem - afinal, mesmo abalada pela miséria e pelos
efeitos dolorosos da doença (sentia longas e terríveis dores de cabeça),
Hannah percebia no filho um talento incomum.
Sobre o assunto,
Weissman, respondeu às seguintes perguntas por e-mail.
Chaplin não era um homem tão transparente como parecia dizer
Freud, ao escrever que o comediante sempre representou a si mes-mo, na
sua época de infância.
Claro, a genialidade de
Chaplin não pode ser resumida numa frase (seja de Freud ou de qualquer outro).
É verdade que
Chaplin transformou a memória da sua dolorosa in-fância em roteiros.
Mas a forma com que ele conseguiu isto é tema de um livro inteiro.
O comentário de
Freud grosseiramente simplifica a forma criativa do trabalho do comediante.
Mas é bom lembrar que a sua observação foi escrita aleatoriamente numa carta inédita - ele nunca pretendeu que essa declaração servis-se como uma explicação psicanalítica
abrangente de como a vida e a arte de
Chaplin estavam relacionados.
Chaplin - Uma Vida foi escrito para lidar com esse relacionamento.
O seu livro, aliás, não tem a pretensão de ser uma biografia comple-ta, mas deixa de lado assuntos aparentemente importantes, como a discussão de
Chaplin com
Mary Pickford,
Douglas Fairbanks e
D.W. Griffith, em 1919, quando formaram uma parceria. Porquê?
Mais de mil livros já foram escritos sobre a carreira cinematográfica de
Chaplin.
O meu enfoca exclusivamente a inexplorada conexão
psicológica en-tre a vida de
Chaplin e a arte.
A formação da United Artists em 1919 (por Pickford, Fairbanks, Griffith e Chaplin) não é relevante para um estudo
psicanalítico dos seus filmes, exceto talvez por um comentário espirituoso de que os "loucos tomaram conta do hospício".
Chaplin pouco visitou a mãe e também pouco falava sobre ela com os amigos.
Porque é que ela permaneceu como uma figura quase ficcional na sua memória de infância?
Embora tivesse confidenciado a triste história da doença mental da sua bela e jovem mãe - que ele tratava como fruto de uma "trágica promiscuidade" - a poucos amigos,
Chaplin considerava esta informa-ção privada.
Quando publicou a sua autobiografia (1964), ele preferiu rememorar a história dela com dignidade.
Ele sabia qual era a causa médica da enfermidade da mãe, mas foi lacônico ao tratar da sífilis e de como ela foi contraída.
Preferindo retratá-la como uma heroína martirizada,
Chaplin apenas tratou de como a fome severa, a desnutrição e a pobreza contribuí-ram para a sua loucura.
O livro, escrito em forma narrativa, é baseado em extensa pesquisa sobre a vida pessoal de
Chaplin.
De onde surgiu tamanho interesse?
Mesmo hoje em favelas do Rio, nos bairros de Los Angeles ou nas favelas de Mumbai e Soweto, há crianças emocionalmente resistentes como
Charles Chaplin.
Como psicanalista, emociono-me e fascino pela histórias de crianças carentes incrivelmente dotadas que, de alguma maneira, conseguem sobreviver às adversidades,
evitando o papel de vítimas e crescendo para se tornar adultos de sucesso, que conquistam o que querem.
Criado no meio de uma pobreza dickensiana no fim do
século 19,
Chaplin perdeu a mãe para a loucura e o pai para o alcoolismo.
Às vezes dormia nas ruas e, com fome, buscava comida nas latas do lixo.
Durante um período de 18 meses que passou num orfanato, quando tinha 7 anos,
Charles lidou com o seu medo e solidão interpretando papéis num mundo de fantasia no qual
ele já era "o maior ator do mundo".
Escrevi o livro para tentar descobrir como uma criança de imagi-nação incrível conseguiu levar à vida adulta e adaptar a ela
aquele sonho acordado da infância.
Chaplin literalmente foi da pobreza ao status de mais famoso ser hu-mano de todo o mundo.
Ou, como um resenhista do livro colocou, "Chaplin não era apenas grande, era gigantesco.
Em 1915, ele irrompeu num mundo marcado pela guerra oferecendo o dom da comédia, do riso e do alívio.
Ao longo dos próximos 25 anos, durante a Grande Depressão
e a as-censão de Hitler, continuou o seu trabalho.
É difícil que outro indivíduo tenha dado tanto entretenimento, pra-zer e alívio para os homens quando eles
mais precisaram".
É possível imaginar como teria sido a carreira de
Chaplin se tivesse crescido em contexto diferente?
Não sei o que ele teria sido.
Mas não teria sido
Chaplin.
COMO A VIDA INTERFERE NA ARTE Vida Real
Hannah Chaplin, mãe do comediante, rendeu-se à sedução de um su-posto milionário e acompanhou-o à África do Sul.
Lá, descobriu que fora enganada e, além de contrair sífilis, foi obri-gada a se prostituir.
Uma das imitações que
Chaplin fazia quando criança e que mais agra-dava
à sua mãe era de um vagabundo que vivia próximo deles e cujo andar era peculiar, especialmente quando tentava domar o seu cava-lo.
Chaplin, então com 7 anos, foi admitido num orfanato inglês em 18 de junho de 1896.
A viagem de 19 Kms que empreendeu até lá, numa carroça, marcou o fim da vida
razoavelmente boa que tinha com a mãe.
Ficção
No filme Em Busca do Ouro
, de 1925, um dos seus primeiros longas,
Charles Chaplin criou uma cena tocante que mostra o seu famoso personagem, o vagabundo, consolando
uma prostituta deprimida.
A cena mais tocante de O Garoto
(1921) é justamente a que o meni-no (vivido por Jackie Coogan) é levado por funcionários de um orfa-nato.
Para ajudar no realismo,
Chaplin
disse a Coogan que os homens real-mente o levariam.
Quem É Stephen Weissman Psicanalista e Escritor
Nascido em 1937, nos Estados Unidos,
Weissman é filho de pais faná-ticos pelas comédias de
Charles Chaplin e também antifascistas.
As duas
tendências acompanharam a sua formação pessoal e acadê-mica.
Depois de 13 anos a estudar medicina e psiquiatria em Washington, ele iniciou um período de mais
de 40 anos de estudos sobre como a vida pessoal interfere e colabora na criatividade artística das pesso-as, estudo que culminou com a publicação de
Chaplin - Uma Vida.
Na sua rotina médica,
Weissman incentiva os pacientes a escreverem a própria biografia como processo terapêutico.
Fundo Musical: Luzes Da Ribalta (Charles Chaplin) -
Gheorghe Zamfir
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