Relações

Recebi em 02/11/2024


Pai,
conta-me uma simples história
para eu adormecer;
olha, uma daquelas
tão lindas, tão belas,
que eu reterei na memória
até a manhã nascer.
Promete, pai, promete.

Filho,
não tenho tempo.
Ando com um trabalho na net
que requer muita atenção,
e eu preciso muito disso
para que, no meu serviço,
possa ter uma promoção.

Pai,
e aquele brinquedo
que te pedi, muito a medo,
com receio de recusares?

Filho,
não tenho tempo,
quanto mais tu me atrasares
mais me esqueço de to dar.
Tu que tens o tempo inteiro,
toma lá este dinheiro
e vai, com alguém, comprar.

Pai,
preciso muito de ti,
um instante, um só bocado,
para me ensinares,
ou, talvez, pra me explicares
aquilo que eu não percebi
dum novo tema.

Filho,
não tenho tempo.
Gostaria de estar contigo,
tu sabes e eu também sei,
mas combinei
com um amigo
irmos hoje ao cinema.
Fica, então, para depois.

Pai,
e no próximo fim de semana?
Pensei que talvez…
pudéssemos ficar os dois
a conversar… jogar xadrez…

Filho,
não tenho tempo.
Estes dias são de praia
e temos de aproveitar
que o tempo já o consente.
Preciso correr, nadar,
antes que a chuva caia
e o stress aumente.

Pai,
sabes, no próximo feriado,
se não estiveres cansado,
queria a tua opinião
sobre uma certa questão
que me traz angustiado.

Filho,
não tenho tempo,
é mesmo nesse dia
que eu tenho uma conferência
marcada com antecedência,
e na verdade,
não imaginava, não sabia
que havia na tua vida,
uma situação desconhecida,
com tal ansiedade.

Pai
não sei se vais à reunião
dos professores, no liceu.
os outros pais sempre vão
e nunca dizem que não…
sozinho fico só eu!...

Filho,
não tenho tempo,
tu tens de perceber
que, com a agenda carregada
eu tenho mais que fazer
que aturar os outros pais
e, para além de tudo o mais,
aquilo dá sempre em nada.

Pai,
dizem-me que, para crescer,
eu terei de frequentar
toda a discoteca ou bar
e que, para esquecer,
não ter medo de beber.
Será verdade, meu pai?

Filho,
não tenho tempo.
Pensa no que é importante,
tu já sabes discernir,
se queres ir, pois vai,
não precisas de pedir,
mas não percas o sentido,
e como nada garante
que o teu grupo não se atrasa,
melhor é estares prevenido.
Levas a chave de casa.

Pai… pai…

Filho… filho…
Sei que precisas de mim
e eu vim logo, assim que pude…
mas não me olhes assim,
que teu olhar desilude.
Tu precisas de um amigo
nesta hora de desgraça,
não sei bem o que se passa,
mas mesmo não tendo tempo,
tu podes contar comigo
sem censuras,
cara a cara,
sem alarde.

Para… para…

Oh!... meu pai… meu pai…
tu não tens nunca tempo…
e agora…
… é já tão tarde…



António Barroso (Tiago)


 


 

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