Noite passada, mesmo sob minhas
cobertas (lençol, cobertor e edredom), fui
despertado por um frio intenso. Tentei ajeitar-me puxando as cobertas até
cobrir minha cabeça. Faltando-me ar para respirar, venci a preguiça e
busquei no “distante” armário mais um cobertor.
Enregelado e tiritante, voltei a deitar-me mais
aquecido que dantes e procurei conciliar meu sono e dormir até o alvorecer.
Fe-chei os olhos e lembrei-me dos “Zé Ninguém”
(párias intocáveis em outros países) que vivem
ao relento, sem abrigo e rejeitados pela nossa “soberba sociedade”.
Lembrei-me do prefeito que mandou caminhões
recolherem todos os colchões e caixas de papelão dos mendigos que “enfea-vam”
a cidade e, para arrematar a “faxina”,
caminhões-pipa lim-param com jorros d’água os redutos em que se abrigavam.
Quantos desses nossos irmãos morrem a cada noite de hipotermia e seus corpos
são “escondidos” nas covas rasas dos cemitérios como indi-gentes?
Dias antes, indaguei na praça, a um desses
ignorados por nós e invisíveis aos nossos olhos, como ele estava fazendo
para aguentar a friagem das noites. Respondeu-me que, “com
sorte” achava um carro recém estacionado em chão de terra (com
seu motor ainda quente) e embaixo dele acomodava-se sobre o papelão
que levava abraçado a ele. Dei-lhe a esmola que pediu e lá se foi o pobre coi-tado rumo ao nada.
Umectei meu travesseiro com furtivas e amargas
lágrimas, im-potente de poder fazer algo além de orar a Deus rogando que
aga-salhasse os desabrigados, alimentasse os famintos, esperança aos
vencidos, saúde aos enfermos e piedade para a insensível Humani-dade da qual faço parte.
Lembrei-me de que aqui chegamos iguais e puros
e, usando do livre arbítrio que ELE nos dá,
escolhemos o caminho pelo qual en-veredamos. Passamos pela vida amealhando
bens materiais, lutan-do por conseguir mais, mais e mais do muito que nada
levaremos conosco, tal qual aquele cobertor sobressalente que fui buscar no guarda-roupas para melhor me aquecer.
A claridade do amanhecer avisou-me que um novo
dia começa-va, dando-me a oportunidade de fazer algo pelo meu semelhante.
Mesmo “luxuosamente” livre das intempéries
reinantes fora das quatro paredes do meu quarto não tinha conseguido tornar a dor-mir.
A cada dia despertado, Deus nos dá a chance de
praticarmos o bem e, no azo, repito um pensamento meu: “Todos
os dias derra-mo no oceano um copo d’água. Ninguém vê, ninguém sabe, mas eu sei que ele é maior graças a mim!”