Perdoa-me Deus!!!


       Noite passada, mesmo sob minhas cobertas (lençol, cobertor e edredom), fui despertado por um frio intenso. Tentei ajeitar-me puxando as cobertas até cobrir minha cabeça. Faltando-me ar para respirar, venci a preguiça e busquei no “distante” armário mais um cobertor.

       Enregelado e tiritante, voltei a deitar-me mais aquecido que dantes e procurei conciliar meu sono e dormir até o alvorecer. Fe-chei os olhos e lembrei-me dos “Zé Ninguém” (párias intocáveis em outros países) que vivem ao relento, sem abrigo e rejeitados pela nossa “soberba sociedade”.

       Lembrei-me do prefeito que mandou caminhões recolherem todos os colchões e caixas de papelão dos mendigos que “enfea-vam” a cidade e, para arrematar a “faxina”, caminhões-pipa lim-param com jorros d’água os redutos em que se abrigavam. Quantos desses nossos irmãos morrem a cada noite de hipotermia e seus corpos são “escondidos” nas covas rasas dos cemitérios como indi-gentes?

       Dias antes, indaguei na praça, a um desses ignorados por nós e invisíveis aos nossos olhos, como ele estava fazendo para aguentar a friagem das noites. Respondeu-me que, “com sorte” achava um carro recém estacionado em chão de terra (com seu motor ainda quente) e embaixo dele acomodava-se sobre o papelão que levava abraçado a ele. Dei-lhe a esmola que pediu e lá se foi o pobre coi-tado rumo ao nada.

       Umectei meu travesseiro com furtivas e amargas lágrimas, im-potente de poder fazer algo além de orar a Deus rogando que aga-salhasse os desabrigados, alimentasse os famintos, esperança aos vencidos, saúde aos enfermos e piedade para a insensível Humani-dade da qual faço parte.

       Lembrei-me de que aqui chegamos iguais e puros e, usando do livre arbítrio que ELE nos dá, escolhemos o caminho pelo qual en-veredamos. Passamos pela vida amealhando bens materiais, lutan-do por conseguir mais, mais e mais do muito que nada levaremos conosco, tal qual aquele cobertor sobressalente que fui buscar no guarda-roupas para melhor me aquecer.

       A claridade do amanhecer avisou-me que um novo dia começa-va, dando-me a oportunidade de fazer algo pelo meu semelhante. Mesmo “luxuosamente” livre das intempéries reinantes fora das quatro paredes do meu quarto não tinha conseguido tornar a dor-mir.

       A cada dia despertado, Deus nos dá a chance de praticarmos o bem e, no azo, repito um pensamento meu: “Todos os dias derra-mo no oceano um copo d’água. Ninguém vê, ninguém sabe, mas eu sei que ele é maior graças a mim!

Ary Franco
(O Poeta Descalço)
São Paulo - SP




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