Dependência Química

Neurobiologia Das Drogas E Combate Às Drogas
 

Recebi em 06/03/2017



 


Dr. Drauzio Varela - Publicado em 09/08/2016
Publicado no Site em Abril de 2017

 

Drogas

 

As drogas causadoras de dependência ativam o sistema de recompensa exis-tente no cérebro.

Lícitas ou não, todas provocam aumento rápido na liberação de dopamina, neurotransmissor envolvido nas sensações de prazer.

O prazer intenso dá origem ao aprendizado associativo (droga-prazer-dro-ga), que constitui a base do condicionamento.

Com a repetição da experiência, os neurônios que liberam dopamina já co-meçam a entrar em atividade ao reconhecer os estímulos ambientais e psicológicos vividos nos momentos que antecedem o uso da substância, fenômeno conhecido popularmente como fissura.

É por esse mecanismo que voltar aos locais em que a droga foi consumida, a presença de pessoas sob o efeito dela e o estado mental que predispõe ao uso pressionam o usuário para repetir a dose.

O condicionamento que leva à busca da droga fica tão enraizado nos circui-tos cerebrais, que pode causar surtos de fissura depois de longos períodos de abstinência.

A pessoa deixa de ser usuária, mas a dependência persiste.

As recompensas naturais – como aquelas obtidas com alimentos saborosos e o sexo – também estão ligadas à dopamina, mas, nesses casos, a liberação é interrompida pela saciedade.

As drogas psicoativas, ao contrário, armam curtos-circuitos que bloqueiam a saciedade natural e mantêm picos elevados de dopamina até esgotar sua produção.

Por essa razão, comportamentos compulsivos por recompensas, como comi-da e sexo, são mais raros do que aqueles associados ao álcool, nicotina ou cocaína.

O condicionamento empobrece os pequenos prazeres cotidianos: encontrar um amigo, uma criança, a beleza da paisagem.

No usuário crônico, os sistemas de recompensa e motivação são reorienta-dos para os picos de dopamina provocados pela droga e seus gatilhos ante-cipatórios.

Com o tempo, a repetição do uso torna os neurônios do sistema de recom-pensa cada vez mais insensíveis à ação farmacológica da droga, fenômeno conhecido como tolerância.

A tolerância reduz o grau de euforia experimentado no passado, aprofunda a apatia motivacional na vida diária e leva ao aumento progressivo das doses e às mortes por overdose.

É por causa da tolerância que todo maconheiro velho se queixa da qualida-de da maconha atual.

Como parte desse mecanismo, os neurônios que formam o sistema antirre-compensa ficam hiper-reativos.

A sensação de prazer, agora mais fugaz e menos intensa, vem seguida de uma fase disfórica, que se instala no espírito do dependente, assim que o efeito da droga se dissipa.

A pessoa deixa de buscá-la simplesmente pelo prazer do efeito, mas para fugir da apatia e depressão que a atormentam, quando ele se esvai.

A produção deficitária de serotonina resultante do uso crônico também se instala no lobo pré-frontal, área do cérebro que modula a flexibilidade, a seleção e a iniciação das ações, a tomada de decisões e a avaliação dos erros e acertos.

O desarranjo das sinapses dos neurônios pré-frontais enfraquece a resistên-cia aos apelos da droga, mesmo quando a intenção de abandoná-la é verda-deira.

As alterações dos circuitos pré-frontais, ao lado das que acontecem na circuitária responsável pelas sensações de prazer, recompensa e respostas emocionais, tecem o substrato para a instalação gradual do comportamento compulsivo, descontrolado, que compromete a motivação para enfrentar a abstinência, mesmo diante de consequências pessoais catastróficas.

Da mesma forma que nem todos correm igual risco de desenvolver diabetes ou doença cardiovascular, apenas uma minoria dos que usam drogas psicoa-tivas se torna dependente.

A suscetibilidade é atribuída à genética e a diferenças na vulnerabilidade.

Fatores que aumentam o risco incluem história familiar (hereditariedade e criação), exposição em idade precoce (adolescência é o período mais vulne-rável), características do meio (ambientes estressantes, violência domésti-ca, desorganização familiar, convívio com usuários) e transtornos psiquiátri-cos (depressão, psicoses, ansiedade).

Os estudos mostram que cerca de 10% das pessoas expostas às drogas psico-ativas se tornarão dependentes.

No caso da nicotina esse número é cinco a seis vezes maior.

 

Combate às Drogas


No combate às drogas ilícitas, vamos de mal a bem pior.

Até quando insistiremos nesse autoengano policialesco-repressivo-ridículo que corrompe a sociedade e abarrota as cadeias do País?

Faço essa observação, leitor, porque será votado na Câmara um projeto de lei que endurece ainda mais as penas impostas a usuários e traficantes.

Em primeiro lugar, não sejamos ingênuos; a linha que separa essas duas categorias é para lá de nebulosa: quem usa, trafica.

O universitário de família privilegiada compra droga só para ele?

O menino da periferia resiste à tentação de vender uma parcela da enco-menda para diminuir o custo de sua parte?

Como amealha recursos o craqueiro da sarjeta, que tem por princípio não roubar nem pedir esmola?

Nas ruas, quem decide como enquadrar o portador de droga apanhado em flagrante é o policial.

Entre o universitário branco de boas posses e o mulato do Capão Redondo, você consegue adivinhar quem irá preso como traficante?

Embora considerada tolerante, a legislação vigente desde 2006 agravou a situação das cadeias.

Naquele ano, foram presas, por tráfico, 47 mil pessoas que correspondiam a 14% do total de presos no país.

Em 2010, esse número saltou para 106 mil, ou 21% do total.

O projeto a ser votado propõe várias ações controversas, para dizer o mínimo.

Entre elas, a ênfase descabida na internação compulsória, enquanto os estudos mostram que o acompanhamento ambulatorial é a estratégia mais importante para a reinserção familiar e social dos dependentes.

Isolá-los só se justifica nos casos extremos em que existe risco de morte.

O projeto propõe uma classificação surrealista das drogas de acordo com sua capacidade de causar dependência, segundo a qual alguém surpreendi-do com crack seria condenado à pena mais longa do que se carregasse maconha.

No passado, os americanos adotaram lei semelhante, que condenava o vendedor de crack a passar mais tempo na cadeia do que o traficante de cocaína em pó.

As contestações judiciais e os problemas práticos foram de tal ordem que a lei foi revogada, há mais de dez anos.

O projeto reserva atenção especial à criação de um incrível “cadastro nacional de usuários”.

No artigo 16, afirma que “instituições de ensino deverão preen-cher ficha de notificação, suspeita ou confirmação de uso e dependência de drogas e substâncias entorpecentes para fins de registro, estudo de caso e adoção de medidas legais”.

Nossos professores serão recrutados como delatores dos alunos para os quais deveriam servir de exemplo?

Os colégios mais caros entregarão os meninos que fumam maconha para inclusão no cadastro nacional e “adoção de medidas legais”?

O mais grave, entretanto, é o endurecimento das penas.

Segundo a lei atual, a pena mínima para o fornecedor clássico é de cinco anos; o novo projeto propõe oito anos.

Os que forem apanhados com equipamento utilizado no preparo de drogas, apenados com três a dez anos na legislação de hoje, passariam a cumprir 8 a 20 anos.

As penas atuais de dois a seis anos dos informantes, que trabalham para grupos de traficantes, seriam ampliadas para seis a dez anos.

E por aí vai.

Enquanto um assassino covarde responde o processo em liberdade, quem é preso com droga o faz em regime fechado.

Não quero entrar na discussão de quanto tempo um traficante merece pas-sar na cadeia, estou interessado em saber quanto vamos gastar para en-jaulá-los.

Vejam o exemplo do Estado de São Paulo, que conta com 150 penitenciárias e 171 cadeias públicas.

Apenas para reduzir a absurda superlotação atual, deveríamos construir mais 93 penitenciárias.

Se levarmos em conta que são efetuadas cerca de 120 prisões por dia, enquanto o número de libertações diárias é de apenas 100, concluímos que é necessário construir dois presídios novos a cada três meses.

Nos padrões atuais, a construção de uma cadeia para 768 presos consome R$ 37 milhões, o que dá perto de R$ 48 mil por vaga, mais da metade do custo de uma casa popular com dois quartos, sala e cozinha, com a qual é possível retirar uma família da fa-vela.

O que vai na construção é dinheiro de pinga, perto dos custos para mantê-la funcionando 365 dias por ano.

O projeto que suas excelências votarão pode estar repleto de boas inten-ções, mas, como dizia minha avó, o inferno anda cheio delas.

Colaboração da amiga Aliene Santos

Fonte: https://drauziovarella.com.br/drauzio/artigos/dependencia-quimica-neurobiologia-das-drogas/



 

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