Câncer De Próstata E Prevenção

Recebi em 27/02/2017
 
Câncer de Próstata
Drauzio Varella
 

O câncer de próstata é a neoplasia maligna mais prevalente
entre os homens.

O advento do PSA possibilitou fazer diagnósticos precoces da doença, antes detectada apenas em fases avançadas.

O PSA é um exame que permite avaliar, na corrente sanguínea, a con-centração do antígeno prostático específico, proteína liberada em quanti-dades elevadas nos processos benignos e malignos.

A determinação anual dos valores do PSA a partir dos 50 anos, no entan-to, tem sido questionada como método de “screening” populacional.

Os argumentos são fortes:

1) Parte significante dos diagnósticos precoces ocorrem em homens com tumores de crescimento lento, que jamais levariam à morte;

2) O tratamento por meio de cirurgia (prostatectomia) ou radioterapia está associado a complicações relevantes: impotência sexual, incontinên-cia urinária, retites e cistites pós-irradiação, entre outras.

Um estudo mostrou que, no caso da prostatectomia, é preciso operar 72 pacientes para evitar um óbito.

Portanto, 71 daqueles submetidos aos riscos e complicações cirúrgicas viveriam o mesmo número de anos, caso não fossem operados.

Essas constatações serviram de base à estratégia da observação ativa, segundo a qual o diagnóstico de tumores de agressividade baixa ou in-termediária pode ser acompanhado sem necessidade de intervenção ci-rúrgica ou radioterapia.

Para esclarecê-las, foi realizado no Reino Unido o estudo ProtecT que recrutou 1643 homens de 50 a 69 anos, no período de 1999 a 2009.

Por sorteio, eles foram divididos em três grupos: observação ativa (543 homens), prostatectomia radical (553) ou radioterapia (545).

A finalidade foi avaliar a mortalidade causada pela progressão da doen-ça, o aparecimento de metástases e a mortalidade por outras causas.

Nesse período de dez anos, ocorreram apenas 17 mortes por câncer de próstata, assim distribuídas: oito no grupo de observação, cinco no de cirurgia e quatro no de radioterapia.

Essas diferenças não são significativas estatisticamente.

O número de mortes por outras causas também não foi diferente.

Metástases surgiram com frequência mais alta nos homens acompanha-dos sem tratamento (33 casos), do que nos operados (13 casos) ou irra-diados (16 casos).

Da mesma forma, nos pacientes simplesmente acompanhados, a pro-gressão da doença foi mais frequente (112 casos) do que nos operados (46 casos) ou irradiados (46 casos).

Conclusão: nos casos de tumores de agressividade baixa ou intermedi-ária, a mortalidade por câncer de próstata é baixa com qualquer trata-mento ou na ausência dele.

Prostatectomia radical e radioterapia estão associadas a incidências me-nores na progressão da doença e no aparecimento de metástases.

O tratamento do câncer de próstata deve levar em conta dados individu-ais: idade, agressividade do tumor, condições clínicas, possibilidade de complicações, presença de doenças concomitantes, expectativa de vida e preferências individuais.

Está claro que muitos pacientes podem ser acompanhados por anos con-secutivos sem receber tratamento.

Prevenção do Câncer de Próstata

 

Próstata


O câncer de próstata é uma doença desconcertante.

O paradigma de diagnóstico precoce e tratamento imediato –válido para os demais tumores malignos –  está sendo questionado para um número significante dos que recebem o diagnóstico da doença.

 

Quando comecei a carreira nos anos 1970, câncer de próstata era uma doença relativamente rara, característica de homens idosos portadores de outros problemas de saúde, geralmente mais graves.

O diagnóstico só era feito quando surgia dificuldade para urinar, obstru-ção urinária, sangramento, dores na região ou os sintomas das metás-tases ósseas, complicações tardias, típicas dos tumores avançados local-mente e daqueles que já se disseminaram pelo esqueleto.

 

O tratamento se limitava à retirada dos testículos para bloquear a produ-ção de testosterona e à administração de hormônios femininos.

Boa parte dos pacientes entrava em remissões prolongadas, enquanto outros não sobreviviam à progressão da enfermidade.

 

A partir dos anos 1990, o emprego do toque retal rotineiro e de um exa-me de sangue, o PSA, como teste de triagem, levou à indicação de biópsias de próstata capazes de identificar tumores iniciais em homens completamente assintomáticos.

O diagnóstico precoce permitiu que os cirurgiões aprimorassem as técni-cas para a retirada radical da próstata e possibilitou o desenvolvimento de métodos modernos de radioterapia, nos quais os raios incidem direta-mente sobre o órgão com o mínimo de “escape” para os tecidos vizinhos.

 

Infelizmente, esses avanços tiveram um preço: as complicações do trata-mento.

Em cerca de 50% dos casos, surge impotência sexual; incontinência uri-nária, em 5% a 10%; cistites e efeitos tóxicos da ação da radioterapia sobre o reto (diarreia, sangramento retal e inflamações crônicas), em 5% a 20%.

 

Os benefícios coletivos da aplicação desses métodos de triagem (PSA e toque retal) têm provocado discussões acaloradas entre os especialistas, depois que alguns estudos americanos e europeus demonstraram que perseguir o diagnóstico precoce tem pequeno impacto na redução da mortalidade.

Na melhor das hipóteses, seria capaz de evitar uma morte para cada 48 pacientes tratados, num período de dez anos.

 

A história natural da doença costuma ser tão lenta que, na maioria dos casos nos quais o tumor é identificado depois dos 60 anos, não haveria necessidade de tratamento imediato, porque os pacientes morreriam precocemente por outras causas ou conviveriam em equilíbrio com o tumor, sem manifestações que lhes prejudicasse a qualidade de vida.

O que complica essa equação é que alguns homens desenvolvem tumo-res muito agressivos, que se disseminam rapidamente.

 

Nos últimos anos, surgiram modelos que levam em conta a idade, os va-lores do PSA, as características das células malignas e a área da próstata invadida por elas, entre outros parâmetros, para identificar o grupo que teria a vida salva graças ao tratamento precoce e radical.

Embora útil, a aplicação prática desses modelos está distante do rigor matemático.

Há tumores classificados como de baixo risco que se disseminam, en-quanto outros de risco elevado evoluem sem complicações.

 

Como devemos nos comportar?

Continuamos a fazer os exames preventivos ou deixamos de lado os to-ques retais e o PSA?

Há duas maneiras de raciocinar.

Uma é a do administrador: vale a pena alocar recursos para exames, bió-psias, cirurgias e radioterapia para o tratamento de 48 pacientes com a finalidade de salvar a vida de apenas um, em dez anos?

Se esse dinheiro fosse investido em outras áreas da saúde pública, não haveria benefício maior para a população?

A segunda é a perspectiva individual.

Se eu tivesse convicção de que não sou justamente aquele que vai mor-rer entre os 48 tratados, juro que não faria mais exames.

Enquanto a medicina não me der essa certeza, continuo repetindo o PSA e o toque retal todos os anos.

***

Ilustração: AlieneImagens: Internet 
 

Vídeo: Câncer de Próstata

 
 

Drauzio Varella


É médico cancerologista, formado pela USP. Nasceu em São Paulo, em 1943. Foi um dos fundadores do Curso Objetivo, onde lecionou física e química durante muitos anos.


Fonte:
https://drauziovarella.com.br/drauzio/artigos/cancer-de-prostata-3/
 


 

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