Tia Amélia é Feliz!

Recebi em 13/02/2018


Do Tirol até as montanhas de Santa Teresa, ainda nos anos mil e oitocentos, Candido Loss e Adelaide Lembranci foram desbravado-res italianos, como tantos outros, nas plantações de café e busca de vida melhor.

Muitos filhos, amados e alegres, foram crescendo nas estradas de chão, estreitas e cheias de samambaias silvestres, uma espécie de mata nativa que substitui os guarda-chuvas e protege do "sol quen-te e chuva fria".

Amoras vermelhas gentilmente doadas pela Mãe-Natureza, eram colhidas juntamente com os araçás.

Esta visão de pensamento e fascínio pela terra onde nasci, leva-me até minhas tias-avós Emma, Elisa, Amélia, Concetta, Eugenio e Tu-nin.

Dentre eles, Cecília, minha avó, uma mulher pequena, da qual her-dei a maneira de ser e o tamanho.

Extremamente meiga, minha nona criou os filhos, Primo Fiori (pri-meiro filho, meu pai amado), Bernardo, Zelindo, Candido, Clarin-do, Ester, Adelina e Olivia.

A noninha Cecília era amante de canções, quando embalava cada um de nós com sua voz pequena e um sorriso que eu jamais vou es-quecer, que acompanhava seu rosto ao som da Verdinella, sua can-ção preferida.

Dela herdei toques, sensibilidade e abraços, necessidade de uma grande parte dos seres humanos, que ainda carregam consigo o Amor verdadeiro dentro de seus corações.

Não posso deixar de sentir saudade do barulhinho que a máquina de costura de vovó Eugenia fazia, no frio de rachar no Vale do São Lourenço, assim como é impossível não lembrar dos longos vestidos da noninha Cecília, arrastando suas bainhas com a vassoura de “mochinga” no quintal da enorme casa onde viviam, como meeiros de grandes fazendas da região.

Noninha tinha a fé como ponto forte em sua vida e parava as ativi-dades do dia a dia várias vezes, para reunir a família e rezar na grande sala, rodeada de bancos e fotos, imagens de santos e uma ternura tão grande que eu sinto até hoje o gosto, passando e se instalando em todos nós.

Nas férias, muito pequenos, papai e mamãe nos levavam para São Jacinto, o lugar onde eles moravam.

Neste lugar eu conheci um riacho onde todos se banhavam, campos de pastos verdes, os bois chegando nas cercas ao final da tarde – eu morria de medo, “paúra” mesmo! – e a refeição, repetida diari-amente, consistia de menestra (uma sopa de feijão e arroz), po-lenta, formai (queijo), linguiça, raditio e ovos.

Depois, todos iam sentar-se nos bancos da sala, fazer as orações noturnas e jogar conversa fora, com o cheiro das lamparinas aqui no meu nariz até hoje!

Os colchões de palha faziam ruídos noite adentro e encontrar uma posição confortável era difícil demais.

De manhã cedinho, íamos ver o leite sendo retirados das vacas e colocados nos enormes baldes, quando sorvíamos copos de leite com café fumegante e pão integral sovado.

Dias felizes!

Tia Amélia era uma das irmãs Lóss e amava o meu pai muito!

Como eram mais ou menos da mesma idade, brincavam nos campos e jogavam “ferrinho” juntos, assim como foram aos primeiros bai-les nas casas vizinhas.

Tia Amélia já estava noiva de um belo “ragazzi” quando conheceu Manoel dos Santos, que foi adotado por uma família da região, os Ferrari.

Manoel era moreno de cor de melado e um apaixonado pela peque-na sorridente, da qual roubou-lhe o coração e hoje, com 90 anos cada um, continuam FELIZES e namorados.

Sim, “Feliz” é sobrenome de cartório de Manoel dos Santos.

Ele me contou, nesta quinta-feira, ao visitá-los, como se tornou Feliz pra sempre!

Meu coração batia em descompasso quando Betty, nossa prima de cabelos cor de fogo e uma das filhas lindas de tia Amélia e tio Fe-liz, levou-me até estas duas fantásticas criaturas.

Na casa de Tio Feliz havia uma pequena fogueira que montavam para aquecer o ambiente.

Enquanto sua mãe Amaralina dormia, ele, muito bebê, virou-se e caiu sobre as cinzas sob as quais havia fogo.

Queimou seriamente os pés.

Quando foi adotado pela família Ferrari, foram ao cartório e o ta-belião perguntou o nome dele.

- Manoel dos Santos, disse.

- Só?

- Não, Manoel dos Santos Feliz. – disse, com voz firme.

A avó dele disse que ela seria Feliz pra sempre, porque Deus o ha-via livrado das sérias queimaduras que havia sofrido.

Tia Amélia é Feliz, de corpo e alma, onde uma casa aconchegante e bonita, com um jardim deliciosamente regado a plantas e ale-crins com cheiro especial (ganhei um raminho) e canários belgas, uma concertina, um órgão e outros instrumentos musicais usados diariamente pelo Tio Feliz!

Sua habilidade com eles é a mesma de quando era o belo ragazzi que roubou o coração de Tia Amélia.

Senta-se, faceira, coquete e linda, com seu Feliz Amor, de mãos dadas, enquanto a vida continua passando, um dia de cada vez.

Obs. Posso não ter citado todos os nomes (e fotos, ainda não as tenho) por não poder tê-los coletado nesta madrugada. Não quero acordar ninguém...

Tia Amélia nos deixou ontem.

Foi brincar de bolinha de gude com meu pai.

Sunny Landrith



Fundo Musical:
Love Story (Summer Of'42 - The Godfather) - Ernesto Cortázar

 

 
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