A rua que atravessa a nossa cidade amada ainda mantém alguns ca-sarões intactos e tem uma parte que foi feita em linha
reta e outra que toma a forma de uma pequena ladeira.
A casa de minha irmã Nega fica exatamente no início desta ladeira. Bem no alto dela, existem algumas edificações que jamais
serão esquecidas, por quem já vivenciou momentos marcantes neste local: a gruta de Nossa Senhora de Lourdes, o antigo hospital da ci-dade, um capitol bem
pequeno com a imagem de Santo Anto-nio, que nosso pai visitava todos os dias, fazia mesuras, tirava o boné, saudava o velho Amigo... À frente do
capitol, um canteiro com um grande ipê amarelo. Inesquecível visão!
Bem no início da ladeira, onde mora a minha irmã, tem um morro que fez parte de minha infância. Deste morro, desce um pequeno
filete de água cristalina. Muitos anos atrás, os proprietários da casa que abrigou meu sobrinho Armando, Josi, Dante e os cães Na-na, Jobim e
Frida durante muitos anos, resolveram fazer um pe-queno lago com a utilização desta água. Hoje, esta mesma água é levada até a casa
de minha irmã, onde um lago bem maior foi edificado e ainda abastece a família e amigos com água da melhor qualidade.
A água desce a rua, até um certo ponto, beirando a calçada e nunca fez mal algum a qualquer um dos habitantes da pequena
cidade. Passa pela terra sem incomodar as plantinhas que a cir-cundam.
Quando chovia torrencialmente em nossa terra, as crianças usa-vam umas galochas esquisitas e capas de chuva.
Nós usávamos também. Eu me lembro que a nossa mãe consertava as pontas dos guarda-chuvas quase todo dia. Eu ia sempre de carona nos guarda-chuvas
da Nega ou da Tica, até que um dia ganhei uma sombrinha cor de rosa de minha madrinha Teresa Sancio, que me acompanhou por muitos anos. Eu adorava
o cheiro da sombrinha, que tinha umas flores pintadas. Minhas bonecas de pano e montes de apetre-chos que eu juntava dormiam debaixo dela,
enquanto secava da chuva do dia anterior.
O barulho da chuva torrencial no telhado de zinco dava uma mistu-ra de medo e abrigo ao mesmo tempo. O ruído
que os fortes pin-gos de chuva causavam no telhado era assustador. De outro lado, a presença de nossos pais com o mate queimado era
um presente dos deuses e logo o medo ia embora.
Quando acabava a chuva forte, o rio, bem no fundo de nossa casa, ficava com as margens sujas de terra molhada. Era
nessa fase que os mandis e piabas faziam uma festa e convidavam todos a pescar. As margens das calçadas formavam um riozinho. E aí, dezenas de bar-cos
de papel atravessavam a rua. Fazíamos até corridas de bar-cos! Eu ficava fascinada com a beleza dos pequenos objetos de pa-pel. A minha maior
dificuldade era arrematar as pontas da embar-cação que, invariavelmente, se desmanchava nos primeiros metros desua viagem pelo
riozinho.
Pensar nisso tudo, num tempo que não vai tão longe assim, faz-me questionar as razões do crescimento desenfreado das cidades
nas encostas. O homem, criação maior deste mundão de Deus, não sa-be usar a inteligência para que a vida siga o seu curso normal, sem que
enxurradas de terra os soterrem.
Algumas tragédias provocadas pela Mãe Natureza tem cunho cienti-fico, eu li um dia...