O Livro da Minha Vida


     Ontem à noite, eu fiquei acordada por muito tempo... O sono saiu pela janela do meu quarto, afugentado por lembranças engra-çadas, que teimavam em abrir as diáfanas cortinas do meu passa-do. Pegando carona nas asas da imaginação, voltei no tempo e revi cada página do livro da minha vida.

     As recordações começaram a desfilar em minha mente, trazen-do-me as nuances do meu mundo particular, molhando de lágrimas de saudade o meu travesseiro.

     E revi a página da casa paterna, minha infância tão alegre junto aos meus irmãos. A face carinhosa do meu pai, seu amor aos livros, sua alegria contagiante, seus ensinamentos repletos de amor e a fi-gura forte, protetora e amiga da minha mãe, que como uma guer-reira, criou com amor e doçura, num apartamento, sete filhos e cinco netos. Que páginas maravilhosas! Brinquei de novo com as amigas de infância, subi nas goiabeiras na casa da D. Angelina, re-fis junto às amiguinhas, os batizados das bonecas e as comidinhas feitas de folhas caídas no quintal. Brinquei de ciranda cirandinha, passar o anel, berlinda e queimado.

     Voltei às páginas do colégio onde aprendi a bordar palavras em forma de poesias. E nos bailes da minha época, dancei com as me-lodias de Frank Sinatra e o Rock’and Roll de Elvis Presley.

     Revi encantada, aquela menina romântica e sonhadora conhe-cer o amor, que logo se tornaria o seu marido e pai dos seus filhos.

     Reli as páginas da infância dos meus dois filhos. Olhei cada sor-riso, cada dor de barriga, e acariciei cada rostinho adormecido, sentindo novamente a onda de amor que me assaltava cada vez que segurava meus bebês em meus braços.

     Vi páginas brilhantes e coloridas, dos Natais na casa do meu pai, com minhas irmãs e meus irmãos já casados, com seus filhos junto aos meus filhos, fazendo a alegria dos Natais de nossos pais e tam-bém os nossos... Nós éramos felizes e sabíamos!

     E quatorze anos depois, as páginas do livro da minha vida, fica-ram cor-de-rosa, com a descoberta de mais um presente de Deus, trazendo-me a minha menina.

     A minha garotinha tão amada, que como um milagre transcen-dental, curou a depressão que me atormentava naqueles dias. Que páginas lindas!

     Porém, o tempo passou como um relâmpago, e eles cresceram rápido demais. E vi crescer com eles, a família, com a chegada das minhas noras e do meu genro, e juntos, contornarmos as dificulda-des, juntarmos nossas lágrimas, nossos risos e nossas alegrias.

     Vi que o sentimento escrito, naquelas páginas, do livro da mi-nha vida, era “
SUPERAÇÃO!

     Vi curiosa, a descoberta dos meus primeiros fios de cabelos brancos...

     Aos 39 anos, no livro da minha vida, encontrei a imensa emoção do nascimento do meu primeiro neto. Logo em seguida, veio a che-gada dos outros netos, com quem chorei de alegria, e com eles re-vivi um amor diferente, sem cobranças, somente risos, farras, ale-grias. Descobri então, como é bom ser Avó! É um amor tão desme-dido, que transborda do coração e me transforma em criança de novo!

     Revi emocionada, as páginas de momentos inesquecíveis, de amigos queridos que já partiram desta vida.

     Reencontrei em páginas amarelecidas pelo tempo, ou pela tris-teza, não sei, lembranças tão valiosas, algumas que estavam já es-quecidas, de familiares que também já se foram, mas que deixa-ram marcas indeléveis em meu coração.

     Voltei aos 63 anos e entre lágrimas de alegria, senti de novo to-da a emoção da realização de um sonho: escrevi e publiquei o meu primeiro livro e descobri a emoção de ser poeta.

     Relembrei toda a felicidade de ver nascerem mais três livros, deixando à minha família e aos meus amigos, para toda a eternida-de, minha alma condensada nos meus versos.

     E por mais incrível que pareça, na minha visita ao passado, não encontrei nenhuma recordação má... Nenhuma mágoa. Todas se foram. Sumiram das minhas lembranças como uma nuvem de fuma-ça que sobe ao céu numa espiral, em forma de oração, deixando somente as cicatrizes tatuadas em minha alma...

     Só me restaram as lembranças de momentos felizes.

     A realidade traz-me de volta ao presente, e curiosa, descubro morando em meu espelho,

     ...“Essa estranha, que é tão mais velha que eu...” que carrega as marcas do tempo em seu rosto, que é tão diferente de mim, “mas que é tão parecida com minha mãe”... e me pergunto:
     - Quem é essa mulher? (extraída de pedaços de frases de Mario Lago).
     Quem é essa mulher que me observa/ Com um sorriso cintilante de menina? Quem é essa mulher que me fascina/ E um juvenil olhar ainda conserva?

     70 anos...

     Sou qual uma árvore que lutou contra as intempéries, venceu, deu frutos e ainda carrega folhas brilhantes e douradas de outono, transmitindo as sementes da experiência aos meus filhos, minha fi-lha, minhas noras e meu genro.

     Ainda brotam em mim algumas flores da primavera, que perfu-mam os amigos que se abrigam à minha sombra.

     Sou qual uma árvore de ramagens frondosas, aonde os passa-rinhos vêm fazer os seus ninhos, na figura de netos muito amados, já adultos, lutando através da vida, escrevendo corajosamente suas próprias histórias. E sou abençoada com um netinho que revo-lucionou a minha vida com seu olhar brilhante e um sorriso muito moleque; e uma bisnetinha do coração, com olhinhos expertos e um sorriso muito sapeca.

     Sou qual uma árvore que canta com o vento, a Canção de Amor à Vida e agradeço ao Senhor, por me permitir comemorar com vo-cês, os meus 70 anos.

     E revendo todas as páginas do livro da minha vida, me descu-bro... Sei quem sou!

     Sou feliz! Amo e sou amada! Desnudei-me, nesta viagem ao pas-sado, de todos os medos, todos os preconceitos, intolerâncias e falta de perdão. Aumentei a minha fé! Tive um encontro com Deus!

     Gosto de mim mesma! Sou amiga dos meus amigos, amo de pai-xão a minha família e não tenho inimigos!
    
FIZ AS PAZES COM A MINHA HISTÓRIA!

     Hoje me vejo rodeada por uma família incrível e por meus ami-gos leais e carinhosos e agradeço a Deus por colocar cada um de vocês em meu caminho. Sem vocês, a minha história não seria a mesma.

     Acho que sou uma pessoa forte... Sou capaz de sofrer por uma decepção, chorar de alegria, fazer piadas das minhas próprias do-res, olhar o céu e agradecer a Deus por um novo dia.

     Tudo na vida é um parágrafo, uma frase, na excitante aventura de se construir uma história. E a minha história tem muitas páginas felizes. Graças a Deus!

     A vida é curta... E passa depressa demais.

     Lembrem-se: a vida é um livro! E serão vocês quem escreverão em suas páginas. Por isso, guardem sempre com carinho tudo que foi vivido.

     Assim é o livro da vida: daqui a pouco a página vira e o capítulo muda...

     Daqui a pouco as páginas se acabam e viram somente lembran-ças.

Nilda Dias Tavares
Rio de Janeiro - RJ - 70 anos - 04/10/2015


 

 
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