No ano de 1999, meu pai comprou uma casa com um quintal enorme, com
muitas árvores frutíferas. Mangueiras, abacateiros, amoreiras e outras,
faziam sombras muito agradáveis no quintal. Sendo viúvo e aposentado,
meu pai chamou-me para morar com ele, já que eu pagava aluguel e tinha
um filho para criar. Meu marido era caminhoneiro, estava sempre viajando
e assim, aceita-mos construir uma casa nos fundos do quintal do meu pai,
respei-tando as árvores que embelezavam o quintal.
Como o terreno era
todo murado, eu resolvi fazer a casa dos meus sonhos. Fiz uma casa
pequena, pintei de azul e coloquei jar-dineiras sob as janelas. Eu era
apaixonada por plantas!
Em vez de um muro delimitando a
minha casa, resolvi fazer uma cerca de madeira, que pintei da cor branca
e deixava a mos-tra o meu maravilhoso jardim. Ficou linda!
Durante muitos anos eu sonhara em ter uma casa bem românti-ca, enfeitada
com muitas flores e agora, eu exibia toda orgulhosa, a minha casa para a
família.
Meu jardim era o meu passatempo preferido. Eu conversava com as
plantinhas, animava carinhosamente as que estavam mur-chando e parecia
que elas me entendiam. As roseiras anãs, que eu plantei junto à cerca,
davam rosas enormes! As “Onze horas” der-ramavam seus ramos repletos de
flores. Cravos, Antúrios, Hortên-sias, Dálias, Jasmins e outras flores,
cresciam de forma incrível, perfumando o meu jardim maravilhoso!
Orquídeas exibiam-se em xaxins presos nas árvores. Violetas cresciam nas
jardineiras sob as janelas. Eu estava radiante! Eu ficava horas no
jardim mexendo e adubando a terra e arrancando as ervas daninhas. O meu
jardim tornou-se o meu lugar preferido.
Certo dia, meu pai chegou
da rua com um cão. Era um cão de porte médio, todo preto e com um olho
azul e outro verde. Meu pai o recolheu muito doente, deitado em uma
encruzilhada. Le-vou-o ao veterinário, deu-lhe o nome de Titã e o
adotou.
Não sei por que, eu não gostei da forma com que aquele cão me olhou...
Nunca fui apegada a animais, embora não permita que ninguém os maltrate.
Sempre compreendi que quem tem um animal tem que cuidar dele. Dar banho,
catar pulgas e carrapatos, levar ao ve-terinário, vacinar e dar amor e
carinho. Sinceramente, eu não teria paciência. Eu gostava mesmo, das
minhas plantas!
Meu filho Beto tinha dez anos e apaixonou-se pelo cão. Dava banho,
levava-o para passear na rua e brincava com ele quando não estava na
escola. Meu pai providenciou uma casa de madeira, colocou em uma área
coberta e ele se adaptou muito bem.
Titã só não gostava de mim. Eu
sentia que ele me observava de um modo que me causava medo. Talvez
porque eu tivesse medo, ele implicava comigo, deitando-se no portão
todas as vezes que eu queria sair. Se eu tentasse tirá-lo, ele rosnava
com os dentes a mostra. Só o Beto conseguia tirá-lo dali.
Meu pai adoeceu e não
pode mais ficar com Titã. Eu queria arranjar uma nova família para ele,
mas, não podia separá-lo do meu filho. Ele amava muito aquele cão e
sofreria muito se o per-desse. Concordei em que ele ficasse com Titã,
com a condição de que cuidasse dele e o mantivesse longe das minhas
plantas. Condi-ção aceita.
Os meses passaram e Titã crescia
com a velocidade do vento em noites de tempestade. Tornou-se um cão
enorme, com mais de 50 quilos, maior que um Labrador. Ele era o dono do
quintal! Cor-ria, brincava de esconder com o Beto e rolavam juntos pelo
chão. Era um cão inteligente, entendia tudo o que o meu filho falava.
Beto ordenava e Titã sentava, deitava, rolava, fingia-se de mor-to e
catava as folhas das árvores que se espalhavam pelo quintal. Era lindo
vê-los, juntos!
Em noites muito frias, eu permitia que Titã dormisse no tapete junto à
cama do meu filho. Mas, seu espírito vigilante, andava pela casa tomando
conta de tudo, nos protegendo.
Aos poucos, comecei a gostar
daquele cão. Mas, ele continuava a me olhar estranhamente.
E sempre que ele me
via cuidando do meu jardim, ficava senta-do no quintal, olhando-me
fixamente. Quando ele percebia que eu ia sair, deitava-se no portão,
impedindo-me de passar. Isso aconte-cia sempre. Eu não conseguia que ele
me obedecesse! Ele gostava de implicar comigo e eu tinha respeito por
ele. Só o meu filho con-seguia tirá-lo do portão.
Certa tarde, eu
estava enfeitando o meu jardim com muitas lâmpadas pequeninas e
coloridas, pois o Natal se aproximava, quando notei Titã me observando.
Olhei para ele e
disse:
- Você não gosta de mim, não é moleque? Por quê? Que mal eu lhe fiz?
Não faz mal, eu tenho
as minhas plantinhas. E você, já sabe: longe delas!
Ele ficou ali parado,
me olhando fixamente, só se afastando quando eu entrei em casa.
No dia seguinte, eu
precisei sair para comprar os presentes de Natal, e ao sair, aconteceu o
mesmo de sempre. Titã deitou-se no portão impedindo-me de sair. Quando
eu mandava que saísse, ele rosnava mostrando-me os enormes dentes. Beto
teve que retirá-lo à força e eu dei ordens expressas para que ele
prendesse o cachor-ro na corrente quando fosse para a escola. Se ele
estivesse no por-tão quando eu voltasse, eu não poderia entrar em casa.
Ao regressar, com as
mãos carregadas de sacolas, levei um sus-to! Titã estava solto!
Incrivelmente, não impediu a minha entrada. Parecia estar me esperando.
Não percebendo nenhum traço de agressividade, resolvi entrar. Ele
acompanhou-me andando calma-mente ao meu lado. Estranhamente dócil!Sei
que é loucura, mas, Titã parecia sorrir!
A primeira coisa que
notei foi a grossa corrente arrebentada, presa ao chão com cimento. Não
sei como ele conseguiu arrebentá-la.
Quando cheguei junto ao
meu portão... Quase tive um ata-que!!!!!
- MEU JARDIM!!! MINHAS
PLANTINHAS!!! TUDO DESTRUÍDO!!! ARRASADO!!!
Titã havia destruído
todo o meu jardim. Pisoteou as flores, arrancou as plantas pelas raízes
e esburacou todo o meu quintal. Eu chorava copiosamente, olhando com
tristeza a destruição de todo o meu trabalho de meses. Fiquei louca de
raiva! Titã me olhava como se estivesse se divertindo muito, abanando a
cauda rapidamente e dando pulinhos. Parecia rir de mim!
Quando o Beto chegou,
avisei que daria o Titã para alguma outra pessoa. Doía-me o coração ver
a tristeza do meu filho e também a do seu cachorro, mas, eu estava com
muita raiva e não voltaria atrás.
Um mecânico, nosso conhecido,
que morava em uma comunidade longe da minha casa, mas que sempre admirou
o porte magnífico do cão, quis ficar com ele. Levou-o, apesar das
lágrimas do meu filho.
Dois meses se passaram e a
tristeza tomou conta da nossa casa. Eu sofria pelo meu jardim que se
fora. Meu filho sofria com a saudade do Titã. Meu pai sofria com a
ausência das visitas que Titã lhe fazia e até o meu marido estava
sentindo falta da acolhida do Titã quando ele regressava das suas
viagens. E para falar a verda-de, eu também estava sentindo muita falta
daquele cão. Eu só percebi o quanto o amava, depois que ele se foi!
Prometi a mim mesma
que o traria de volta. Não podia continu-ar a ver a nossa casa tão
triste. Peguei meu filho pela mão e disse:
- Vamos procurar o Titã!
Vamos trazê-lo de volta. Também es-tou morrendo de saudades!
Nos abraçamos, rindo
e chorando ao mesmo tempo.
Chegamos à comunidade e
perguntando aqui e ali, encontramos a oficina do rapaz que o levara.
Quando ele nos atendeu, contou-nos o seguinte:
- O cão estava
acorrentado na oficina, quando o chefe do tráfi-co do morro passou,
olhou o cão e disse:
- Esse cão é meu! Solte-o e você verá.
Quando o mecânico o
soltou, Titã correu para o traficante, pu-lando de alegria e lambendo o
homem todo. Não havia nenhuma dúvida: Titã era mesmo do homem. Assim, o
chefe do tráfico no morro o levou, chamando-o pelo nome de Bandido. E
ele era sem-pre visto passeando com o dono pelo morro. Eram
inseparáveis!
Meu filho começou a chorar, acusando-me de deixar o seu ca-chorro na
vida do crime!
Perguntei ao mecânico como poderia fazer para falar com o traficante.
Ele me disse que o nome do homem era Tobias, mas, que eu não devia nem
pensar em ir lá em cima do morro. Podia ser muito perigoso!
Eu peguei o meu filho
pela mão, fiz uma breve oração pedindo a proteção de Deus e também que
Deus amansasse o coração do Tobias. Subi o morro com meu filho pela mão.
Os moradores do morro olhavam-me com curiosidade e a uma certa altura,
um homem armado barrou a nossa passagem, pergun-tando o que eu queria?
Falei que precisava muito falar com o To-bias, que era caso de “vida ou
morte”. Ele levou-me à presença do Tobias, que era um homem alto e
moreno, de olhos verdes assusta-dores. Perguntou o que eu queria e eu,
armando-me de toda a co-ragem, contei toda a verdade, desde o início,
quando meu pai le-vou o Titã quase morto, para casa. Falei do meu jardim
destruído, da dor do meu filho e do meu arrependimento em dá-lo a outra
pessoa. Ele olhou-me muito sério, depois abaixou-se olhando
dire-tamente nos olhos do meu filho que chorava sem parar. Levantou-se,
andou dois passos para trás e sempre nos encarando muito fixa-mente, deu
um longo assovio. Titã surgiu de repente, e quando nos viu, correu ao
encontro do meu filho, pulou em cima dele jogando o ao chão, e
rolaram pelo barro, na maior felicidade! Meu filho ria e chorava ao
mesmo tempo. Tobias assistia a tudo calado, mas, seus olhos brilhavam,
contendo as lágrimas que queriam saltar dos olhos. Quando Titã e o meu
filho se acalmaram, Tobias abaixou-se, fez um carinho na cabeça do
cachorro e disse para o meu filho:
- Cuide bem dele! Ele é um ótimo
amigo! Agora vá de uma vez.
Já havíamos iniciado a descida,
quando eu olhei para trás e vi Tobias limpando as lágrimas. Num ímpeto,
sem pensar, eu voltei e dei um forte abraço naquele homem que apesar da
vida criminosa que levava, demonstrava tanto amor a um animal.
Titã voltou à nossa
casa e a alegria retornou. Tornou-se meu amigo também!
Nunca mais refiz o
meu jardim... Já não era tão importante. De vez em quando compro alguma
plantinha em vasinhos, cultivo e elas embelezam a jardineira sob a minha
janela.
Mas o quintal pertence ao Titã! Hoje ele é um cão amoroso, mas muito
independente.
Está conosco há 11 anos! Meu filho, Beto, está com 21 anos e Titã é o
seu fiel escudeiro.
Há alguns anos, perdi meu pai e meu marido em um acidente. Não sei o que
seria de nossas vidas, se Titã não estivesse aqui... Com certeza,
sofreríamos muito mais e teríamos muito menos amor!