Engano


     
Um dia resolvi confessar, a um amigo, um pecado capital. Se-gredei-lhe que o invejava por estar sempre sorrindo.
      Perguntei-lhe como fazia para sorrir sem ter vontade; ser amá-vel quando irado; prosseguir, mesmo que o cansaço o impelisse a parar; segurar as lágrimas para que não caíssem; caminhar sob as intempéries, sem lamentações; e como conseguia deixar de lado as amarguras e os dissabores.
      Pedi, ainda, que me ensinasse como enfrentar a vida, essa vida doída, que machuca sem dó nem piedade.
      Brincando, ordenei-lhe que me deixasse mirar no fundo dos seus olhos.
      Talvez, vendo seu interior, eu conseguisse ser igual a ele.
      Cabisbaixo, ele me disse que eu era muito mais feliz do que pensava, e pediu-me que eu o ensinasse a viver.
      Incrédula, perguntei-lhe se realmente queria ser igual a mim, e ele balançou a cabeça afirmativamente.
      Contei-lhe que sempre dei valor a cada momento de felicida-de, às alegrias e às tristezas, deixando fluir as emoções, pois elas fazem parte de mim.
      Expliquei-lhe que essas emoções se chamam vida.
      Engraçado!
      Eu desejava tanto ser igual ao meu amigo, e ele, imagine, no seu silêncio, queria ser igual a mim.

Muriel E. T. N. Pokk
1999
Texto registrado em cartório



 

 
Anterior Próxima Crônicas Menu Principal