Por um
sonho dito insano, e por circunstancias do Destino,
embarquei em um avião da Lufthansa, e fui parar em Kinshasa-Congo,
após uma conexão em Dakar, para ir passear na África...
E foi bom demais...
Ósculos e amplexos,
Marcial
PASSEANDO PELA ÁFRICA Marcial Salaverry
Lembro que em
princípios de 1969, decidi ir para o Congo, para tentar a
chamada "melhoria de vida", além de realizar velhos sonhos.
Consegui meu
objetivo, pois saí da crise financeira que estava, além de realizar o
velho sonho de explorar as selvas africanas, como Tarzan e Nyoka, e como
lucro, vivi aventuras muito interessantes, viajando pelo interior do
Congo, seja em um heroico jipe LandRover, seja em aviões mal equipados,
pilotados por sabe Deus quem, sempre contando com o Dedo de Deus
direcionando o caminho, pois sem a ajuda Dele, não estaria aqui contando
nada...
Iniciando, vamos salientar que sem nenhuma sombra de dúvida a
ideia de
viver na África chega a ser assustadora, pois sempre fica a impressão
dos filmes de Tarzan, do Fan-tasma, feras sedentas de sangue,
antropófagos, e outras coisas mais, e com esses pensa-mentos soturnos, ao
desembarcar no aeroporto de Dakar, fiquei com a nítida impressão de que
meus piores temores se confirmavam.
Cheguei à meia noite.
Uma escuridão
de meter medo e pelo caminho do aeroporto até a cidade passei por vielas
escuras, cheia de tipos mal-encarados.
Ao descer da perua, no hotel,
assustei-me mais ainda, com o tamanho do senegalês que estava dormindo
na portaria, cerca de 2 metros de altura e carrancudo, e isto me
preo-cupou.
Ao entrar no quarto para passar à noite, pois prosseguiria viagem no dia
seguinte para Kinshasa-Congo, tomei um cuidado que se revelou ridículo
pela manhã: - barricadei a porta do quarto com os móveis disponíveis,
acreditando assim estar protegido talvez, de um possível ataque e só
então após este exercício muscular e emocional me senti tran-quilo o
suficiente, para me deitar e passar a noite.
Tinha um dia livre em Dakar.
A conexão para Kinshasa seria só no final
da noite.
Passeando pela cidade, vi que meus temores haviam sido
ridículos, pois estava em uma cidade como qualquer outra do mundo, com
os mesmos problemas que encontramos em qualquer grande cidade
brasileira, cheia de gente circulando pelas ruas, carros em pro-fusão,
proporcionando um trânsito super caótico.
A finalidade principal, dessa minha parada em Dakar, era conseguir o
visto para desem-barcar em Kinshasa, pois o Brasil não tinha relações
diplomáticas com o Congo, e não havia nenhuma Embaixada, nem cá, nem
lá...
Sendo essa finalidade, dirigi-me à Embaixada do Congo.
O
funcionário, responsável pelos vistos, admirou-se profundamente de que
um brasileiro desejasse ir ao Congo.
Para acalmar sua desconfiança,
determinou que um assessor me acompanhasse à Em-baixada do Brasil, para
que meu passaporte fosse autenticado como brasileiro de fato.
Esta
precaução se justificava porque, naquela época, havia muito trânsito de
mercená-rios procurando os países africanos recém libertados, e que ainda
apresentavam proble-mas, e o Congo era um destes, e era para lá que eu
seguia.
Muito romântico, sem sombra de dúvida.
Dirimidas as dúvidas, só tive que tentar explicar ao Cônsul do Brasil,
que espécie de doi-do era eu.
Obtido o tal visto, preparei-me para a fase
final da viagem: Destino Kinshasa.
No desembarque, pude constatar que
havia muita similaridade com as coisas do Brasil, pois, para liberação
rápida de minha bagagem, bastou uma gorgetinha para o funcionário
alfandegário e eis a bagagem prontamente liberada, sem sequer ser
examinada. Muito familiar, sem duvida.
Dessa vez, pude ter uma boa visão do que me aguardava, pois cheguei
durante o dia, e assim, apreciei conveni-entemente a paisagem da capital
congolesa.
A entrada da cidade era assustadora, passava bem no meio da “Cité”,
como era chamado o bairro predominantemente congolês.
Em tudo e por tudo
semelhante a uma imensa favela, o que me levou a perguntar ao meu amigo
Paiva, se toda a cidade era assim, sendo que ele em resposta limitou-se
a sorrir.
Quando começamos a entrar na cidade propriamente dita, entendi a razão
de seu sorriso.
Kinshasa era uma cidade como outra qualquer, podendo-se
compará-la a, digamos, Cuba-tão, largas avenidas, arranha-céus e
trânsito, muito trânsito, com péssimos motoristas, que não tinham a
mínima consideração pelas leis de trânsito, o que me fez sentir quase em
casa.
Depois, as coisas normais.
A adaptação ao modus-vivendi foi rápida.
Os
problemas com o idioma oficial falado no Congo, o francês, foram
rapidamente supe-rados, com o chamado Curso de Aprendizado de Idiomas,
que qualquer pessoa que tenha a intenção de viver fora de seu país de
origem deve fazer, ou seja, aprender as primeiras noções antes de
viajar, e o resto, aprender no dia a dia à custa de muitas mancadas.
Logo na primeira semana, já comecei a circular pela cidade, dirigindo um
veículo perten-cente a meu empregador, Leon Hasson e Freres, dando início
às minhas funções de ven-dedor numa cidade que não conhecia, mal falando
a língua, enfim, fui eu quem procurou aquilo e tinha que me virar para
não dar com os burros n’água.
Os problemas raciais eram em parte resolvidos quando eu me identificava
como brasi-leiro e prontamente associado com Pelé...
Sim nosso grande Pelé
me quebrou grandes galhos.
Sua figura era tão adorada, não só no Congo,
como em toda a África, que sempre funcio-nou como abre-barreiras.
Para
que se possa ter uma ideia, posso contar um dos episódios em que usei a
identi-ficação “pelesistica”.
Foi quando, inadvertidamente, passei entre
dois soldados que patrulhavam as ruas.
Fiquei sabendo que “cortar” uma
patrulha era quase crime hediondo, e então, os solda-dos queriam me
deter, porém quando, em meu francês macarrônico, consegui me iden-tificar
como brasileiro, e lhes mostrei meu passaporte para provar minha
identidade, foi que eles arreganharam os dentes num esgar de sorriso,
dizendo “Ah!!! Brasileiro!... Conterrâneo de Pelé!...
No Brasil não
existe racismo, acreditamos que não foi por mal... mas nunca mais faça
isso”.
Logicamente, além de me apadrinhar com o Pelé, também precisei
pagar uma cervejinha para os zelosos soldados para que assim o
“terrível” crime fosse esquecido.
Após alguns meses, consegui o visto de entrada para minha família, e
prontamente remeti a papelada para o Brasil, para que minha esposa e
meus 2 filhos pudessem entrar no Congo, acompanhando-me no que todo o
restante da família chamava de “a grande loucura”... e quem duvidava
disso?
Bem, para que meus familiares tivessem uma bela recepção,
aconteceu o inesperado.
Justamente naquele dia 12/06/69, os estudantes
congoleses resolveram fazer uma revo-lução.
Maravilha!
A chegada do avião
estava marcada para as 16 hs. e, até a hora do almoço, ninguém podia
sair às ruas, o aeroporto estava fechado.
- E agora, José?
Estava com os
nervos em frangalhos, sem saber o que poderia acontecer, se o avião iria aterrizar ou não, enfim, uma crucial expectativa.
Exatamente às 14 hs.
fiquei sabendo que a direção da firma conseguira obter a informa-ção de
que o avião aterrizaria, e conseguira também uma escolta para que eu
pudesse receber minha família.
Consegui respirar novamente.
Durante o
trajeto até o aeroporto, foi fácil constatar o porque da escolta, pois
ainda se escutavam tiros aqui e acolá, barricadas por toda a parte, e
soldados, centenas deles, milhares até, procurando encontrar os
“malditos rebeldes”.
Ao desembarque, tudo normal.
As gorjetas de hábito,
e pronto.
Pude, enfim, abraçar e beijar esposa e filhos.
Agora, durante nossa viagem de volta, nunca mais vou esquecer a
expressão dos olhos dos heróis recém chegados, apreciando a movimentação
toda.
Só não houve mais tiros, pois a revolta já fora sufocada.
A chegada ao lar marcaria um novo episódio em nossa vida.
Muitas
surpresas nos esperavam, e aventuras quase ficcionais.
Enfim, foi assim o começo da vida de um brasileiro no Congo durante 3
anos, e agora lembrando e relembrando, agradeço ao Amigão, ter este
LINDO DIA, tantos foram os perigos vividos, que Ele me ajudou a superar,
e ainda estou podendo contar a história, que mais parece estória...
Tem
mais coisas por vir no porvir...
Marcial Salaverry
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