Assisti
recentemente ao filme de Woody Allen, Meia Noite em Paris, de onde sai
maravilhado. Confesso, no entanto, que não imaginava a repercussão que
teria entre os principais cronistas da cidade. Quase todos comentaram o
que teriam feito se a eles também tivesse sido dada a oportunidade de
retroagirem aos anos 20. Basicamente o filme conta a história de um
perdido Gil que, sozinho e com muito vinho na cabeça, vaga pela noite
encantada da Cidade Luz. À meia-noite, passa um antigo e misterioso
Peugeot preto no qual ele entra sem saber que este o levaria a uma
fantástica viagem ao passado onde encontraria e conviveria com marcantes
figuras da época tais como: Picasso, Hemingway, Scott Fitzgerald e
Salvador Dalí. Evidentemente que a simplicidade da minha introdução não
traduz a beleza e originalidade do filme nem a genialidade do produtor.
A magia do filme
está justamente na necessidade a que ele nos induz a também querermos,
de alguma forma, narrar o que teríamos feito no lugar do Gil... Por uma
questão cronológica, como nasci em 40, o meu Peugeot me transportaria
aos anos 60. Este, com certeza foi o ano mágico da minha geração onde eu
comemorava vinte anos. Se Allen tentou resgatar os ícones da sua
juventude, evidente que todos nós procuraremos encontrar os nossos
ícones.
A minha Paris
chamava-se, e ainda se chama, Copacabana... Com suas noites de boleros e
sambas-canção, das boates, da bossa nova, da turma dos cafajestes, dos
brotinhos em flor a despedaçarem nossos jovens e aventureiros corações.
Dos bailes de formatura a rigor, dos fantásticos bailes de Carnaval, das
serpentinas e lança-perfume, dos vestibulares, das nossas morenas
vaidades enegrecidas pelo sol a desafiar as ondas do mar.
As indescritíveis
noites do Beco da Fome, nossa resumida Montmartre, que representava o
último reduto da boemia. Lá se refugiavam as derradeiras esperanças da
noite para encontrarmos os principais alimentos da vida: A pizza do
Renato, os salgados do Francês, a cozinha baiana da Isaura e o sexo...
Na ausência deste último, íamos aguardar o amanhecer na praia ao som de
um violão amigo. Filosofávamos à luz do existencialismo de Sartre e
Simone de Beauvoir, ríamos no humor inteligente do Stanislaw Ponte Preta
e sofríamos nas amarguradas letras da Maysa e da Dolores Duran, vivíamos
as crônicas sobre a noite do Antônio Maria e nos revitalizávamos nas
músicas da bossa nova que dominavam as noites com suas novas harmonias e
batidas... Quando a mesada era mais generosa íamos ao Restaurante
Servantes, à Pizzaria Sorrento, reduto dos artistas de TV.
Na imitação dos
romances de Jorge Amado, na impossibilidade de frequentarmos raros e
caros motéis, fazíamos da areia da praia a nossa alcova. E lá, as
estrelas presenciavam o nosso mais puro e vigoroso prazer. Prazeres da
juventude. Participávamos da infelicidade amorosa dos companheiros e os
acompanhávamos, solidários, em seus homéricos porres. Era a socialização
da dor de corno (risos). Se alguém quisesse ir embora era convencido a
ficar mediante o irresistível apelo: - A noite ainda é uma criança!
Apesar disso
encontrávamos tempo suficiente para nossa discussão política onde
tentávamos salvar o mundo através do nosso socialismo. Jango, Brizola,
Lacerda... Nacionalistas versus entreguistas. Respirava-se idealismo na
eterna expectativa da revolução redentora. Enfim, tudo passou muito
rápido e o país tornou-se cada vez mais corrupto. Com a poderosa arma da
demagogia assassinaram o idealismo...
A minha
Copacabana de hoje está muito calada e os bares silenciaram. O Beco da
Fome não resistiu à especulação imobiliária. A Taberna Atlântica, onde
virávamos as noites em inesquecíveis vira-vira, transformou-se em um
restaurante turístico e caro. O Bar Alpino teve o mesmo fim do Beco da
Fome. E o pior, muitos companheiros da noite já se retiraram da vida. Se
Jorge Amado tinha razão, e certamente tinha, hoje são brilhantes estrela
no céu. Por isso amo as estrelas e passo noites a admirá-las.
Hoje, queridos
leitores(as), a noite também envelheceu... Meus verdadeiros filósofos da
madrugada se foram. A guerra fria não mais existe e alguns velhos amores
também se foram. Por isso, em minhas constantes nostalgias, refugio-me
nas rugas da madrugada e a celebro no compasso de antigas melodias. Um
belo e lindo recordar acalenta meu envelhecido espírito. O prazer
delicadamente vai cedendo à reflexão... Nem mais aquele maravilhoso
pilequinho me é permitido curtir!
Sem querer, recordo-me da música que tanto
sucesso fez e eu, à época, jamais me imaginaria a cantando hoje.
Chamava-se Ninguém me Ama, autoria de Antônio Maria e Fernando Lobo.