Domingo super feliz... Meu time venceu
ontem, assim pude me dedicar a secar os adversários nos jogos de hoje.
Os resultados da rodada colaboraram para a subida do meu Fogão nesta
reta final do campeonato. Tudo parece finalmente conspirar para a minha
felicidade...
Sete horas da
noite decido sair para a minha habitual caminhada. O dia vai perdendo
sua força sob as escuras nuvens que cobrem o céu. Um sudoeste
estranhamente quente e um calçadão surpreendentemente vazio marcam a
minha caminhada. No meu Ipod ouço minhas músicas preferidas, entre elas,
evidentemente, o Hino do Fogão... Aquele que se inicia com a voz do
rubro-negro Jorge Curi narrando a partida final na qual liquidamos o
Flamengo. No terceiro gol do Garrincha ele declara resignadamente que
não há mais nada a fazer. E, resignadamente, se rende ao Demônio da Copa
(rsrs)...
No meu caminho
cruzo com duas lindas gremistas. Uma com a camisa do Grêmio e a outra
enrolada na bandeira do Rio Grande do Sul. Com certeza decepcionadas com
o calçadão semi-vazio... Certamente esperavam encontrar um público à
altura da sua felicidade. Para não parecer um velho assanhado,
respeitosamente dou-lhes os meus parabéns pelos categóricos 4x2 impostos
pelo seu Grêmio ao Flamengo. E o dia, que já tinha escurecido, recuperou
o seu brilho no lindo sorriso das moças... Enquanto uma música italiana
me aconselhava a amar intensamente o momento presente.
Sigo pensando na minha solitária alegria Alvinegra. Como
amo este clube! Chego a acreditar que ele é o meu verdadeiro amor
superando qualquer outro sentimento (rsrs). E neste sagrado trecho por
onde passo agora, onde meus pais vieram morar em 1948, nasceu esta minha
paixão Alvinegra. Aqui reverencio o meu outro grande amor, a Praia do
Leme, berço de todos os meus encantamentos. Aproveito para idealizar o
meu final. Morrer caminhando pela Praia do Leme ouvindo o Hino do Fogão
e, se possível, conduzido para o meu aguardado Paraíso nos braços da
Estrela Solitária, símbolo maior da torcida botafoguense.
Ao longe,
navios fundeados aguardam o momento para atracar. Neles vejo antigos
desejos de aventura, de solidão e reverencio este saudoso tempo.
Pensamentos antigos brincam na minha mente e, por instantes, vejo-me,
ainda rapaz, correndo por aquela areia macia e branca, na doce
irresponsabilidade do tempo.
Quanto daria
para que uma gaivota, em mágico voo, desenhasse com suas asas o retrato
da minha antiga felicidade. Amores inocentes, gols inesquecíveis, noites
de delírios e sonhos... Como eram belos os primeiros raios do dia
colorindo a madrugada. Para que dormir? A vida era uma festa! Na
ansiedade do prazer o tempo não tinha a importância de agora.
Para me
maltratar, entra no meu Ipod a orquestra de Glenn Miller tocando
Moonlight Serenade. Mentalmente vou recriando os passos, dois prá lá,
dois prá cá... E com os corpos coladinhos, juras de amor eram trocadas.
Garotas com perfumes inebriantes, olhares encantados e embelezados pelas
cores modernas da época, vestidos criados no rigor da moda, doses de
uísque, bebidas no limite da mesada paterna, na tentativa de superar a
natural timidez. A vida era, de fato, um lindo poema...
Agora uma tênue
chuva começa a cair na vã tentativa de me tirar deste maravilhoso sonho.
Inútil! Continuo a caminhada até completar a minha uma hora prevista de
exercício e meditação. É verdade que as pernas já não me obedecem como
eu desejo nem as articulações têm a flexibilidade de outrora, mas sigo
na salutar luta diária pela sobrevivência. O importante é,
interiormente, ainda me sentir aquele antigo garotão, mesmo à custa de
algumas lágrimas que insistem em cair.
E, sob a luz
noturna da Praia do Leme, vou retornando ao meu mundo real. Apago velhos
sentimentos, desvio o olhar dos navios, desligo o meu Ipod e,
resignadamente, retorno ao presente... A fantasia se esvai deixando em
mim aquela sensação de adeus...
Enquanto o
mundo se prepara para comemorar a marca de sete bilhões de seres
humanos, lembro-me das palavras de Gandhi:
- "A natureza
pode suprir todas as necessidades do homem, menos a sua ganância".