A Vida e o Boxe


Gosto de comparar a vida com certos esportes. Normalmente nos transmitem grandes verdades que, sem sentirmos, facilitam a sua interpretação. Um dos meus preferidos para este fim é o boxe.

Para início de conversa, a nossa luta com a vida começa com a certeza absoluta de que um dia seremos derrotados. Uns com segundos de luta, outros, a médio e longo prazo beijarão a lona. Os verdadeiramente amigos, mesmo sabendo o desfecho fatal deste combate, sempre nos acompanharão nos momentos mais delicados da pugna, torcendo, incentivando e procurando nos orientar nos intervalos dos rounds. A recíproca também é verdadeira. Infeliz-mente serão poucos. Haverá outro grupo que, por interesse pró-prio, será forçado a torcer por nós. A grande maioria, por inacre-ditável que pareça, estará sistematicamente torcendo contra nós. Carregarão orgulhosos as bandeiras do ódio, da inveja, da traição e do cinismo. Exibirão, mesquinhos que são, suas almas pequenas e medíocres pelas arquibancadas da ilusão.

Para alguns, que sempre atribuiremos ao destino, ela não será mui-to agressiva. Conduzirá o combate de maneira leve. Procurará ba-ter mais nas luvas do que no rosto ou no estômago. A torcida, indi-gnada, vaiará gritando:

- É marmelada!!!

Para a maioria, no entanto, ela baterá firme. Golpes potentes e certeiros os farão balançar nas pernas. Por segundos, a visão se turvará e procurarão se apoiar nas cordas, já quase ensurdecidos pelos gritos frenéticos da torcida adversária. Haverá momentos, por certo, que exaustos torcerão para que alguém jogue a toalha suspendendo a luta, enquanto os mais desesperados, resignados, pelo livre arbítrio abandonarão o combate. Curioso é que às vezes, ela é quem finge estar perdendo. Vaidosos começamos então a gi-rar em torno dela. Damos aqueles saltinhos debochados a exemplo dos boxeadores diante de um adversário mais fraco, mesmo saben-do que a qualquer momento ele poderá nos derrubar.

Às vezes juízes inescrupulosos fingem não ver seus golpes baixos. Bater abaixo da linha da cintura, socar o adversário caído etc... Quando a vida tem interesse em travar a luta, provoca o “clinch”, nos segurando pela cintura ou nos abraçando nos momentos em que levamos vantagem. Com isto, leva-nos à irritação e ao descon-trole emocional. No entanto, variando os golpes, logo se recupera e vai minando a nossa resistência. Destes, o mais temido e demoli-dor é o uppercut. Quando atinge a ponta do queixo, fatalmente leva ao nocaute. A boa técnica de lutar recomenda que se tenha uma boa guarda, contragolpe forte, com rapidez, e um bom jogo de cintura.

Estou me encaminhando para o início do 65º round. Até aqui tenho combatido razoavelmente bem. É verdade que a resistência come-ça a me dobrar, a cintura já não está tão ágil e nem os contragol-pes tão rápidos e fortes. Tive momentos em que a galera gritou o famoso “é marmelada”. Outros, se amigos não me ajudassem, já teria caído. O triste é ainda ver na arquibancada da vida, almas pequenas e medíocres empunhando bandeiras que jamais deveriam ser desfraldadas. Se observarmos bem, indignados, vislumbraremos escondidinhos no meio dela, alguns conhecidos em quem sempre confiamos...

O importante é prolongar a luta ao máximo e com dignidade até o golpe final...

Fica a dúvida: - O boxe imita a vida ou a vida imita o boxe?

Domingos Alicata
Rio de Janeiro - RJ - 02/02/2005




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