A consulta médica: antes ou depois da torrada?


Dia 28 de maio, quinta-feira, eu fui ao otorrinolaringologista (moti-vos já explicados em outra crônica).

Convidei minha sogra para ir junto, pois estou tomando Zetron (Cloridrato de bupropiona), numa tentativa
de parar de fumar. Um dos efeitos colaterais, como qualquer antidepressivo, é atuar na motricidade, no senso de observação e na percepção. Assim sendo, aconselha-se a não dirigir veículos automotivos.

Como sou teimosa, na segunda-feira, fui para a escola dirigindo e quase que um caminhão colide com meu simpático Chevette bran-co.

Eu estava no meio da pista contrária, parecendo que estava em minha pista correta...

Ainda bem, que Deus deu-me bons ouvidos para escutar o "
buzina-ço" do motorista e ligeireza (apesar do Zetron) para pisar nos frei-os.

Creio que o motorista deva ter proferido inúmeros impropérios a minha pessoa, enquanto eu agradeci ao meu anjo da guarda (mais uma vez).

Mas voltando à consulta, este foi o motivo da companhia da sogra, ser minha motorista (ela é muito querida e fez o favor de bom gra-do).

Esperamos mais de duas horas até a bendita consulta. O médico irá num congresso na próxima semana e quis deixar todos os pacientes atendidos.

Enquanto esperei, li todo o  livro de poemas "Caminhando com as borboletas" do recantista Edvaldo Rosa, recém lançado. A sogra fi-cou fazendo palavras–cruzadas e, talvez, ela tenha ficado arrepen-dida do favor prestado (se ficou, não falou nada).

Entrou gente, saiu gente daquela sala médica e eu, nada de ser atendida.

Já tinha acabado de ler o livro e comecei a decifrar os diplomas do médico pendurados na parede. Nasceu em 1976, formou-se em me-dicina pela PUC/RS em 98. Cursou residência médica, com especia-lização em otorrinolaringologia pela USP. Concluiu este curso em 2006 e por ai foi...

Nessas alturas, a minha paciência quase tinha terminado e a fome começou a fazer alarde em meu estômago.

Finalmente, fui chamada. Atendeu-me um homenzarrão, de quase dois metros de altura, rosto redondo e jovem (33 anos).

Deu-me a mão em cumprimento e desculpou-se pela demora ocor-rida.

Mandou-me sentar, como é de praxe a todos os médicos os quais já consultei.

Qual não foi a minha surpresa, com a primeira pergunta do médico (normalmente é o que a senhora está sentindo):

_ Denise, tu estás com fome? Eu estou!

_ Eu também, respondi.

_ Vou pedir duas torradas para nós. Simples ou completa?

_ Simples!

_ Vou pedir café também!

_ Obrigada, doutor!

Ele fez o pedido à secretaria e seguiu-se entre nós o diálogo mais inusitado que já tive com um médico:

_ Nós gordos, disse ele, não podemos passar muito tempo sem co-mer!
 Eu ainda não comi nada, hoje. Tu gostas de cuca, aquelas que vêm recheadas metade doce e metade salgada?

Confesso que nunca ouvi falar neste tipo de cuca, só conheço cucas doces feitas pelos alemães aqui do sul... Todavia, entrei na con-versa dele...

_ A minha parte doce, podes ficar para ti... Posso te chamar de tu?
Tenho idade para ser tua mãe.

_ Pode! Uma mãe que começou cedo! Minha parte doce da cuca, eu quero com bastante chocolate preto e branco.

_ A minha, dou para ti, pois gosto de salgados! - disse eu.

_ Salgados! De que tipo de recheio?

_ Com muita linguiça calabresa e queijo parmesão!

_ Por falar em salgados, lembras daqueles pães de meio quilo ou de quarto de quilo, que abríamos ao meio e recheávamos com tor-resmo?

_ Lembro! Eu comi muito destes. Hoje, minha nutricionista não permite.

_ Nutricionista nada, elas só querem que tu comas alface!

E, por aí foi o diálogo. Fiquei sabendo que ele é casado com uma fonoaudióloga, que nasceu em Soledade e gosta de andar a cava-lo, que leva os filhos para almoçar no restaurante Portal, em Lom-ba Grande. Que para repor Omega 3 no meu organismo, devo comer salmão e não tomar as cápsulas de óleo de peixe receitadas pela nutricionista.

Eu disse a ele, que professor não tem poder aquisitivo para com-prar salmão e ele indicou-me um mercadinho, onde o salmão é vendido mais barato do que no Bourbon.

Vinte minutos depois, ele questionou-me o porquê de minha pre-sença ali.

Falei a afasia e ele indicou-me uma cadeira similar a de um dentis-ta.

Iria fazer vídeo-endoscopia nas cordas vocais.

_ Sente-se! E vamos falar como gente séria, pois tudo agora será gravado...

Concluído o exame, ele tornou a falar:

_ Não é câncer! Tu pensaste nisso, não?

_ Pensei sim!

_  Mas não me disseste nada!

_ Tu não me perguntaste!

_ Mas é o que todos pensam! Nem nódulos têm...

Descobriu que meu problema de afasia decorreu do refluxo de ácido clorídrico vindo do estômago (muita gordura na alimenta-ção). Receitou-me Pantocal por trinta dias.

Despedi-me dele e sai da sala.

E a torrada, alguns devem estar pensando?

Ao sair da sala do médico, expliquei brevemente à sogra a inusita-da consulta e que deveríamos aguardar um pouco mais a chegada da dita torrada.

Ela ficou ali, rindo-se do ocorrido e eu fui conduzida a uma salinha privativa, onde uma torrada quentinha e um café fresquinho aguar-davam-me.

Eu os saboreei com prazer imenso. O médico e eu, não o sei, por-que logo depois de mim, entrou outro paciente e o consultório ain-da estava repleto de pacientes aguardando...

Denise de Souza Severgnini
Publicado no Recanto das Letras em 31/05/2009


 

 
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