Cair da tarde, de um dia quente de
verão.
Conversava no portão com um vizinho amigo,
quando observei um idoso andrajoso apalpando as bolsas de lixo depositadas em
minha cestinha, que estavam no aguardo da passagem do caminhão da prefeitura
para recolhê-las.
Indaguei o que ele procurava e recebi
como resposta que estava catando “latrinhas” para
vender.
Perguntei seu nome, era Manoel.
Penalizado com aquela figura humana, disse-lhe que naquele meu lixo não havia
latinhas mas que ele poderia vir todo sábado à minha casa, que eu iria dar-lhe
algumas.
Ele agradeceu-me e seguiu sua
caminhada apalpando o lixo das outras casas.
No dia seguinte, visitei a vizinhança
pedindo que passasse a guar-dar suas latinhas e telefonei para alguns amigos e
parentes.
Foi um sucesso!
As latinhas não paravam de chegar (algumas
eu tive que buscar) e até ganhei um compressor manual para amassá-las,
reduzindo em menos de 1/3 o volume das mesmas.
E o sábado chegou.
Junto com ele veio o “seu
Manoel” tocando a campainha.
Meio sem jeito, perguntou incrédulo: O
Sr. conseguiu juntar al-guma “latrinha?”.
Convidei-o a entrar e fomos diretos ao
quintal.
Eu tinha juntado umas duzentas.
Quando ele olhou aquele amontoado de
latinhas, eu vi um sorriso tão sincero e feliz em seu rosto que mostrou-me até o
único dente que ele tinha na arcada inferior.
Pedi para ele sentar-se, pois ainda
faltava amassar algumas latas.
Ele pareceu-me meio em transe
hipnótico, tamanha era sua muda satisfação.
Falou-me que não daria para levar tudo
de uma só “viage” mas voltaria no dia seguinte para
buscar o resto.
Em seu retorno, ao se despedir,
dei-lhe um abraço e “até sábado”!
E o outro sábado chegou com sucesso
igual e mais umas roupas que estavam apertadas em mim e uns pares de sapatos,
com solados meio gastos foram entregues ao “seu Manoel”.
Dali em diante, o “seu
Manoel” mudou totalmente.
Vinha trajando roupas que lhe dei,
cabelo penteado, barba feita e contou-me de seus planos.
Iria nos dois únicos empregos que teve
em sua vida, que foram os de porteiro de um edifício residencial e um salão de
sinuca.
Pediria aos ex-patrões que guardassem
“latrinhas” para ele.
Não mais iria “apalpar”
as bolsas de lixo.
Eu tinha conseguido devolver ao “seu
Manoel” a autoestima que ele havia perdido.
Ficamos amigos por três anos e quando
disse que iria me mudar para Miguel Pereira, senti nossos olhos marejarem e
nossa tristeza transbordou em gotas de emoção pelas nossas faces.
Pedi ao meu vizinho que continuasse
minha tarefa e assim foi feito.
Tenho acompanhado o “seu
Manoel” por e-mails trocados com meu amigo.
A última, foi que ele tinha sido
operado da próstata mas já estava de volta à lide.
No dia da mudança ele apareceu para
dar-me uma lembrança, a qual guardo até hoje.
Era uma caneta esferográfica da marca
“Bic”, embrulhada em um pedaço de papel para
presentes.
Para mim, um troféu conquistado pela
amizade verdadeira de dois amigos!
Agradeço ao “seu
Manoel” a chance que me deu de galgar mais um degrau em direção aos pés
de Nosso Pai Criador!