Hoje resolvi, tão logo se insinuou o arrebol do nascer do sol, que-brar minha rotina das quatro
voltas no quarteirão.
Peguei meu carro (um possante Gol 1991) e fui para o Lago de Javari, com a intenção de dar uma volta completa em torno dele (a pé).
Em lá chegando, estacionei sem dificuldade e iniciei minha mar-cha, após fazer o sinal da cruz.
Terreno plano facilitou meu atlético intento.
Passavam por mim inúmeros menos jovens, uns até correndo e eu na minha comedida caminhada.
Não ultrapassei ninguém e teve um que, correndo, passou por mim outra vez.
Completada a minha humilhante performance, comprei o jornal e
sentei-me no gramado à beira do lago.
As notícias predominantes eram sobre a tragédia de Santa Maria (RS) e novamente sinto meu peito
ainda arfante, em chamas.
As mesmas chamas que levaram Talvez ainda termine hoje.
Caso positivo, mando pra você - OK? precocemente à morte, vidas
recém iniciadas.
Procuro ler outros publicados e o faço sem prestar atenção ao que leio; mente tomada pela catástrofe.
O zumbido de um impertinente
pernilongo interrompe meu quase chorar e, usando o próprio jornal, logro cometer um “mosquito-cídio”.
Parte integrante do jornal tinha uma folha dupla repleta de anún-cios coloridos e mais espessa
que as outras.
Separo-a, divido-a em duas metades e começo a fazer dobras aleatórias, tentando lembrar-me como confeccionava, em minha tenra infância,
aquele chapéu para brincar de marcha soldado.
Dando tratos à bola, depois de relativo custo e algumas vãs tenta-tivas,
CONSEGUI.
Surgiu às minhas vistas, o tal chapéu que o tempo tinha apagado da minha memória.
Para meu deleite, coloquei-o na cabeça e senti-me com uns dez anos
de idade.
Contemplei as mansas águas do lago e sorri de felicidade, vivenci-ando o retorno de minha doce e inocente infância.
Tudo por causa do
chapéu que ostentava eu na cabeça, tal como um rei sente sua coroa.
De repente, lembrei-me do copo que fazia para beber água na hora do recreio no colégio que frequentava.
Tentei e CONSEGUI!
Depois lembrei-me do barquinho que fazia com mestria e que mamãe deixava brincar com ele na banheira
lá de casa.
Fazia até mais de dois; uma frota em batalha naval.
E finalmente
CONSEGUI!
Foi a glória!
Com olhos marejados levantei-me e “lancei ao mar” o meu barqui-nho no lago
que estava a poucos passos de mim.
As lágrimas rolaram-me pelas faces, seguindo o rumo dos sulcos de minhas rugas e desaguaram em meus lábios.
Como eram doces!
Aí, ocorre, o inevitável: solucei!
Sim!
Solucei emocionado, não me importando que eventuais passantes pensassem ser eu um “velho caduco”.
O barquinho bravamente permaneceu
por uns dois minutos flutu-ando mas soçobrou umedecido.
Abanei-lhe um sentido adeus!
Guardei o copo de papel no bolso de minha bermuda, coloquei o jornal no latão coletor de lixo e voltei
para o carro com o chapéu na cabeça.
Assim dirigi de volta pra casa sob olhares curiosos.
Alguns até gargalharam ao emparelharem comigo na estrada.
Quem voltava pra casa não era o idoso de 80 anos e nem um senil.
Pelo contrário, era um menino de seus
dez anos de idade, no início do caminhar de sua estrada, que, quando rapaz, frequentou boates e saiu ileso de todas, sob a Divina Proteção de Deus.