Estou precavendo-me quanto a um problema
comum de acon-tecer com os velhos, digo, idosos. Tomo medicamentos e
acom-panho trimestralmente a involução do peso prostático, fazendo em
laboratório a ultra-sononografia de minha próstata.
A atendente, uma respeitável senhora de meia
idade, não pri-mava
muito pelo bom atendimento e mostrava-se rude no
tratar com os clientes,
sendo eu, um deles.
Sempre monossilábica e sisuda, ia arrastando a sua
cruz, ten-do que lidar com o público em geral, coisa que
demonstrava não gostar, absolutamente! Parecia odiar a humanidade!
Eu era obrigado a tomar quatro copos de água, antes da hora marcada
para o exame. Chegava ao laboratório torcendo pro médi-co
não atrasar. Ao
chegar perguntava à “Da. Zangada” se o médico estava atendendo na hora
certa ou não. Ela, secamente, dizia-me para sentar e aguardar.
Depois de esperar um século de cinco minutos, ela dizia-me que podia
entrar. O médico mandava-me deitar na cama de barriga para cima e,
assim o
fiz. Aí irrompe pelo consultório quem? Exa-tamente! Ela!
Arranca-me a fralda da camisa e joga-me sobre o rosto, afrou-xa meu
cinto e arria minhas calças bem abaixo de minha bexiga, bem próxima
da minha “zona sagrada”. Logo em seguida, relaxei a posição
de sentido em que
estava deitado e destampei meus olhos, retirando a camisa de cima deles.
Ela
já tinha ido embora, de volta à recepção.
Em seguida foram feitos os procedimentos normais e, antes de retirar-me, perguntei ao Doutor quando poderia apanhar o
resulta-do. Ele respondeu-me para falar com a recepcionista... ai meu Deus!
_ Por gentileza, quando poderei vir apanhar o resultado?
_ Daqui à uma hora.
Resolvi não esperar e fui fazer algumas compras pela cidade.
Uma hora e meia depois voltei ao consultório e peguei o re-sultado
do
exame para levá-lo posteriormente ao meu urologista.
Três meses depois voltei para novo exame e a mesma rotina...
camisa na cara e calça arriada em demasia... voltei uma hora de-pois pra
pegar o resultado.
Na terceira vez, fui disposto a pregar uma peça na “Da. Zan-gada”.
Fui com uma calça sem necessidade do cinto (apenas
elástico na cintura) e, quando a fralda da camisa me foi jogada na cara, falei pra “minha
preparadora”: “Se você arriar minha calça, além do necessário, vou processá-la por assédio sexual!”. Ela ficou para-lisada de espanto
e não pôde ver meu
sorriso nos lábios cobertos pela fralda da camisa. Quebrei-lhe o susto,
quando
sussurrei “Ai, como sou engraçado...” Aí a “Da. Zangada”
caiu na gargalhada
e voltou pra recepção ainda rindo.
O médico, antes de começar o ritual da ultra-sonografia
(be-suntar minha barriga com vaselina), comentou que eu tinha conse-guido um milagre.
_ Você fez Da. Alda rir, coisa que ela não faz há quatro anos. Ela era
alegre e atenciosa, antes de seu filho único ser assassinado
numa discussão no trânsito e o assassino não ter sido preso e/ou
identificado até hoje. Por isso eu a conservo empregada comigo, há mais de oito anos.
Continuei ali deitado, mas minha consciência doía muito, por ter julgado tão erradamente um ser humano que carregava a dor cruel e
constante
da perda do ser amado. Como fui ignorante! Uma toupeira!
Energúmeno! Ao
terminar o meu exame, fui para a rece-pção disposto a desculpar-me
com Da.
Alda, pela minha descabida brincadeira.
Pra surpresa minha, fui recebido com um sorriso (um dos mais gratificantes
a mim dirigidos) e o convite para sentar-me e aguar-dar que
ela iria aprontar o resultado do meu exame, imediatamen-te. Sentei-me e esperei apenas uns insignificantes cinco minutos. Fui
chamado pelo nome: “Seu Ary,
prontinho. Aqui está o resultado do seu exame”.
Agradeci e achei melhor esquecer o pedido de desculpas.
Eu estava acompanhado pela minha mulher e ela, curiosa, perguntou-me:
_
O que você aprontou lá dentro, que aquela velha chata che-gou aqui na recepção rindo sem parar?
_ Nada! Não aprontei nada! E aquela não é a velha chata que eu julgava ser. Pelo contrário, é uma criatura digna de admiração,
respeito e consideração. Ela é simplesmente a Da. Alda.
Fui mais duas vezes atendido cordialmente com aquele sorriso estampado no rosto da recepcionista e tive alta, já que o meu peso
prostático desceu ao nível 30, considerado desprezível.
Aprendi uma lição no julgar de meus semelhantes. Quantos “Da.
Alda”, temos por aí espalhados, suportando a carga de um so-frimento sem
cura,
sem remédio, até que a morte os alivie... tor-nando-os vítimas de um mau humor
crônico e por nós incompreen-didos? Nós é que somos intolerantes! Cobramos sempre um sorriso das pessoas, sem nos
importarmos com o que se
passa em seu interior!