E um sorriso se fez

Recebi em 30/08/2011


       Estou precavendo-me quanto a um problema comum de acon-tecer com os velhos, digo, idosos. Tomo medicamentos e acom-panho trimestralmente a involução do peso prostático, fazendo em laboratório a ultra-sononografia de minha próstata.

       A atendente, uma respeitável senhora de meia idade, não pri-mava muito pelo bom atendimento e mostrava-se rude no tratar com os clientes, sendo eu, um deles.

       Sempre monossilábica e sisuda, ia arrastando a sua cruz, ten-do que lidar com o público em geral, coisa que demonstrava não gostar, absolutamente! Parecia odiar a humanidade!

       Eu era obrigado a tomar quatro copos de água, antes da hora marcada para o exame. Chegava ao laboratório torcendo pro médi-co não atrasar. Ao chegar perguntava à “Da. Zangada” se o médico estava atendendo na hora certa ou não. Ela, secamente, dizia-me para sentar e aguardar.

       Depois de esperar um século de cinco minutos, ela dizia-me que podia entrar. O médico mandava-me deitar na cama de barriga para cima e, assim o fiz. Aí irrompe pelo consultório quem? Exa-tamente! Ela!

       Arranca-me a fralda da camisa e joga-me sobre o rosto, afrou-xa meu cinto e arria minhas calças bem abaixo de minha bexiga, bem próxima da minha “zona sagrada”. Logo em seguida, relaxei a posição de sentido em que estava deitado e destampei meus olhos, retirando a camisa de cima deles. Ela já tinha ido embora, de volta à recepção.

       Em seguida foram feitos os procedimentos normais e, antes de retirar-me, perguntei ao Doutor quando poderia apanhar o resulta-do. Ele respondeu-me para falar com a recepcionista... ai meu Deus!

       _ Por gentileza, quando poderei vir apanhar o resultado?

       _ Daqui à uma hora.

       Resolvi não esperar e fui fazer algumas compras pela cidade.

       Uma hora e meia depois voltei ao consultório  e peguei o re-sultado do exame para levá-lo posteriormente ao meu urologista.

       Três meses depois voltei para novo exame e a mesma rotina... camisa na cara e calça arriada em demasia... voltei uma hora de-pois pra pegar o resultado.

       Na terceira vez, fui disposto a pregar uma peça na “Da. Zan-gada”.

       Fui com uma calça sem necessidade do cinto (apenas elástico na cintura) e, quando a fralda da camisa me foi jogada na cara, falei pra “minha preparadora”: “Se você arriar minha calça, além do necessário, vou processá-la por assédio sexual!”. Ela ficou para-lisada de espanto e não pôde ver meu sorriso nos lábios cobertos pela fralda da camisa. Quebrei-lhe o susto, quando sussurrei “Ai, como sou engraçado...” Aí a “Da. Zangada” caiu na gargalhada e voltou pra recepção ainda rindo.

       O médico, antes de começar o ritual da ultra-sonografia (be-suntar minha barriga com vaselina), comentou que eu tinha conse-guido um milagre.

       _ Você fez Da. Alda rir, coisa que ela não faz há quatro anos. Ela era alegre e atenciosa, antes de seu filho único ser assassinado numa discussão no trânsito e o assassino não ter sido preso e/ou identificado até hoje. Por isso eu a conservo empregada comigo, há mais de oito anos.

       Continuei ali deitado, mas minha consciência doía muito, por ter julgado tão erradamente um ser humano que carregava a dor cruel e constante da perda do ser amado. Como fui ignorante! Uma toupeira! Energúmeno! Ao terminar o meu exame, fui para a rece-pção disposto a desculpar-me com Da. Alda, pela minha descabida brincadeira.

       Pra surpresa minha, fui recebido com um sorriso (um dos mais gratificantes a mim dirigidos) e o convite para sentar-me e aguar-dar que ela iria aprontar o resultado do meu exame, imediatamen-te. Sentei-me e esperei apenas uns insignificantes cinco minutos. Fui chamado pelo nome: “Seu Ary, prontinho. Aqui está o resultado do seu exame”.

       Agradeci e achei melhor esquecer o pedido de desculpas.

      Eu estava acompanhado pela minha mulher e ela, curiosa, perguntou-me:

       _ O que você aprontou lá dentro, que aquela velha chata che-gou aqui na recepção rindo sem parar?

       _ Nada! Não aprontei nada! E aquela não é a velha chata que eu julgava ser. Pelo contrário, é uma criatura digna de admiração, respeito e consideração. Ela é simplesmente a Da. Alda.

       Fui mais duas vezes atendido cordialmente com aquele sorriso estampado no rosto da recepcionista e tive alta, já que o meu peso prostático desceu ao nível 30, considerado desprezível.

       Aprendi uma lição no julgar de meus semelhantes. Quantos “Da. Alda”, temos por aí espalhados, suportando a carga de um so-frimento sem cura, sem remédio, até que a morte os alivie... tor-nando-os vítimas de um mau humor crônico e por nós incompreen-didos? Nós é que somos intolerantes! Cobramos sempre um sorriso das pessoas, sem nos importarmos com o que se passa em seu interior!

Ary Franco



Fundo Musical: Em Algum Lugar Do Passado (Tema De Filme)
 

 
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