Cruel paixão!

Recebi em 28/02/2012


(Crônica verídica de Ary Franco – O Poeta Descalço)

Por mais paradoxal que pareça, sou de opinião que a paixão é um superlativo do amor, longe de serem sinônimos.

O amor é comedido, uma troca consensual de afetos, um ceder constante bilateral. Quem ama não mata, perdoa! A paixão é des-vairada, inconsequente, irrefreável! Aquele que sente paixão é ina-pelavelmente ciumento, possessivo, dono, carcereiro de sua com-panheira... e capaz de matar ou até se matar!

Na manhã de quinta-feira (23/2/2012) cumpri um dos mais dolorosos compromissos sociais. As exéquias de uma colega de trabalho de minha filha mais nova. Depois do acompanhamento fúnebre, já chegado no cemitério, reunindo forças, fui à cabeceira do ataúde ver o semblante da moça tão admirada por minha filha e cujo de-senlace a abalou sobremaneira.

Jovem (27 anos), linda, parecia dormir como uma fada, pronta a ser despertada pelo beijo de um príncipe apaixonado. Não vi a cor dos seus olhos por estarem fechados, mas era um rosto lindo. Esta-va sereno e como que conformado com tão nefasto fim, emoldura-do com flores que pareciam fazer-lhe companhia, como que a pro-tegê-la em doce guarida.

Eu e minha filha fomos os últimos a vê-la, pois logo em seguida a tampa do esquife foi colocada, fechando-o para sempre. Pretendia fazer uma oração mas não me foi dada essa oportunidade.

O Prefeito havia decretado luto oficial de dois dias (5ª e 6ª feiras) a todo o funcionalismo municipal da Secretaria de Desenvolvimento Social e do Conselho Tutelar (Bolsa Família) onde ela trabalhava e calculei umas 200 pessoas presentes na cerimônia. As seis alças do caixão foram seguradas por mãos trêmulas e suadas que percorriam o doloroso caminho da capela até o túmulo em que seria sepultado o corpo da linda moça. Em meio a tantos prantos, nesse percurso, este poeta também chorou.

No dia seguinte fiquei sabendo, segundo me foi relatado, o casal se conhecia desde tenra idade e resolveram unir-se sob o mesmo teto nos últimos anos. Ela enamorada dele e ele apaixonado por ela. Brigavam muito pelo exagerado ciúme que o dominava. No findar da terça-feira de carnaval um rapaz falou com a moça e trocaram beijinhos laterais. Ele, ao lado dela, não gostou e discutiram muito ao chegarem em casa de madrugada. Foram às vias de fato e ele, agrediu-a com sanha selvagem. Segundo exame pericial a moça procurou desesperadamente se defender dos golpes contra ela des-feridos mas, o tresloucado, terminou por disparar um tiro de espin-garda à queima-roupa na barriga de sua paixão. Largou a arma e fugiu da cidade para a casa de um amigo que residia na Penha. Em lá chegando, telefonou para alguém perguntando como estava pas-sando a moça e foi avisado que ela falecera.

Já clareava a quarta-feira de cinzas quando ele suicidou-se, enfor-cando-se com a mangueira do jardim, na casa do amigo que o hos-pedava provisoriamente.

O sepultamento da moça, foi na manhã de quinta-feira e o dele foi, no mesmo cemitério, na parte da tarde do mesmo dia. A se-gunda das cerimônias não foi pacífica, com populares gritando assassino e tentando depredar o caixão ou querendo certificar-se de que era realmente o homicida que estava sendo sepultado.

Procurei ser o mais sucinto possível ao descrever esta tragédia. Omiti nomes para preservar o sigilo de identidades e meu relato é baseado nas informações que recebi de terceiros, dignos de credi-bilidade e de minha confiança.

Encerro, na esperança de ter deixado bem esclarecida a diferença gritante que existe entre o amor e a paixão.

Ary Franco



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