Enquanto minha filha faz as compras, normalmente fico sentado ao volante do meu Rolls Royce (modelo Gol – ano 90), bem na frente da loja apreciando a passarada e alguns filhotes caninos expostos à venda na calçada. Despertou-me a curiosidade um casal de calo-psitas que “copularam” empoleirados, numa ampla e exclusiva gai-ola pendurada na entrada da loja. Prisioneiros mas felizes em seu amoroso colóquio, mostravam-se indiferentes aos transeuntes que por eles passavam. Minha atenção foi desviada para um carro de luxo que estacionou ao lado do meu. Dele saiu uma elegante senhora carregando uma gaiola vazia e, antes de entrar na loja, parou junto ao casal de calopsitas e começou a enfiar o dedo entre as grades da gaiola e a falar com eles. Demonstrou-me sentir amor e que iria levá-los nu-ma compra evidentemente planejada. Talvez já estivessem até re-servados para ela. Pareceu-me que o imaginado por mim estava ocorrendo, pois um empregado veio apanhar a gaiola e levou-a para dentro da loja. Acertei, ela iria levá-los! No entanto, entrei em pânico! O empre-gado voltou para pendurar a gaiola no lugar de origem, com apenas uma das calopsitas. ELA SEPAROU O CASAL condenando-os a um aprisionamento mais hediondo ainda, na solidão de uma triste se-paração. Saí do meu carro, esperei e dirigi-me à senhora quando vol-tava para o carro com sua recente compra. __ Bom dia, senhora. Desculpe-me a intromissão, mas a senhora comprou apenas um dos pássaros. Por que não levou o outro tam-bém? __ Bom dia, é que eu gostei mais deste. __ A senhora sabe que acaba de separar um casal, condenando-os ao isolamento até o fim de suas vidas? __ Como é que o Sr. sabe disso? Aí, contei-lhe em sutis detalhes o que acabara de presenciar de dentro do meu carro e ela pareceu ficar abalada com o que estava fazendo inconscientemente. __ Ai meu Deus! Eu amo animais, não posso fazer isso! Vou levar o outro também! __ O que a senhora irá levar agora é a namorada deste que está em sua gaiola. __ Ah! Moço, como eu lhe agradeço! Que coisa monstruosa eu ia fazer. Obrigado! E voltou para a loja. Minha filha finalmente retornou, explicando o porquê da sua demora. O computador tinha “travado” e não pôde emitir a nota para ela assinar (nossas compras são acumuladas e pagas no final de cada mês). Não obstante, Da. Magda (gerente da loja) deixou que ela trouxesse as compras em confiança. Pedi que ela esperasse um pouquinho, sentada no carro comigo. __ O que foi papai? O que é que você está aprontando? Antes que eu pudesse responder, a senhora saiu da loja com o casal de calopsitas e levantando a gaiola, mostrou-os para mim. Saí do carro e, com os olhos umectados, beijei-lhe a mão. __ O brigado, madame! __ Eu é que agradeço, moço. Agora estou duplamente feliz. Tenho um enorme viveiro arborizado no meu sítio e eles vão se sentir felizes para o resto de suas vidas. Voltei para o carro, e minha filha, sem entender nada, interpelou-me. __ Papai , posso saber o que está acontecendo? __ Pode! No caminho te conto... Ary Franco |