O colégio das freiras da Ordem de
Santa Catarina deixou grande parte da minha personalidade formada já
menina.
Eu adorava a hora do recreio porque podia
partilhar o pão que as meninas levavam para a escola.
A Valéria sofria comigo.
Eu pegava no pé dela quase todos os dias... ela
levava um pão doce maravilhoso, que era redondo e tinha um cremezinho
fazendo um caracol por cima dele.
Se ela não quisesse me dar um pedacinho do pão, eu
olhava tanto para ela com ar de coitadinha que ela acabava me dando um
peda-ço.
A nossa merenda era sempre a mesma.
Um pedaço de pão feito em casa.
As meninas sempre levavam frutas e outras
guloseimas.
Como a gente lutava com dificuldade, era difícil
para os nossos pais nos dar tudo que realmente a gente gostaria de levar
de me-renda.
E entendíamos a situação... eram cinco filhos, um
atrás do outro...
Até hoje tenho imenso carinho pela atitude de
minha coleguinha Valéria que, a partir de um certo dia, resolveu levar
dois pães - um era meu!
No horário de recreio também mostrávamos as nossas
habilidades.
Um dos alunos que se destacava muito era o Cezar.
Ele adorava cantar.
Só que ele só cantava uma única canção que se
chamava “Com os pobres de Paris”.
Era demais!
Ele era um líder.
Sempre, sempre alegrava os nossos dias.
Hoje é médico conceituado e nunca mais o vi.
Aliás, a maioria das pessoas com quem convivi
simplesmente passa-ram pela minha vida... nunca mais tive contato, com
raríssimas ex-ceções.
Alguns dos alunos se destacavam mais e outros
menos, mas todos se davam muito bem e eram pequenos seres simples e
desprovidos de qualquer maldade no coração.
As festas de época eram marcadas de muita alegria.
Pescarias, rifas, bingos... era algo sensacional.
Todos participavam e todos ajudavam.
Tinha um dia especial, que era a amostra de
habilidades manuais.
Eu era o desastre total!
O máximo que eu conseguia apresentar era um
paninho do tama-nho de um lencinho, muito mal bordado, de ponto atrás,
que era o máximo que eu conseguia fazer.
De nada adiantavam as aulas de bordado que
tínhamos nas tardes ensolaradas de Santa Tereza.
Eu nada sabia fazer.
Quase morria de vergonha de ter que colocar o meu
paninho no meio dos bordados maravilhosos das colegas do colégio!
Tinha cada toalha... que eu ficava imaginando o
porquê da minha total falta de habilidade.
Irmã Ignez dava aulas de trabalhos manuais também.
Uma vez ela nos deu a tarefa de envolver uma caixa
de sapatos em um pano!
Não poderia jamais acontecer algo pior na minha
vida!
Claro que eu não consegui... e ficava babando,
olhando as caixas envoltas em panos de todas as cores que as minhas
colegas faziam.
E ficava por isso mesmo... não tinha jeito mesmo.
Bem que a minha mãe se esforçava para me colocar
para estudar piano, com a usual ajuda do nosso tio Ivan, que, a essa
altura, já estava morando bem longe de nós e seguindo a carreira nos
Correi-os e Telégrafos.
Mas como isso seria possível, se eu não conseguia
ler as notas?
Eu não conseguia vincular as teclas do piano com
música... e um dia teve uma audição.
As mães todas foram assistir as filhas artistas.
E lá foi a minha mãe também. Coitada.
Da minha apresentação saíram algumas notas
dispersas e sem sen-tido... após esse desastre chegamos a um consenso
que não dava mesmo para música.
Foi assim que encerrei a minha carreira de
pianista famosa!
Mas, de outro lado, com nove anos eu já era uma
exímia leitora e escrevia lindamente (rindo ao
relembrar).
Adquiri o hábito da leitura muito cedo, sempre com
o incentivo do nosso querido tio.
Ele teve a boa vontade de enviar livros pelo
correio, para que eu lesse, deu de presente uma pequena estante onde os
livros eram acondicionados com todo carinho pela minha mãe, pela Nega,
Tica e por mim.
Com nove anos eu já tinha lido quase todos os
clássicos brasileiros e alguns estrangeiros.
Um dos autores que eu mais gostava era J.A.
Cronin.
“A cidadela” foi um
dos livros mais marcantes que já li na minha vida.
E tinha Machado de Assis, José de Alencar...
Eu lia de tudo um pouco.
Depois do jantar, eu ia todos as noites na casa da
Nena, hoje grande educadora – que não vejo há mais de vinte anos.
Fomos vizinhas por dois anos e nunca nos vimos.
Acho isso simplesmente incrível, a perda de
contato com as pes-soas.
O pai da Nena, grande homem, escritor dos bons,
comprava-lhe li-vros de capas duras, de uma beleza impar, desenhos
incrivelmente bem feitos e... estórias da carrochinha!
Eu li todas as estórias – todas, sem exceção.
O mágico de Oz, A Gata Borralheira, Cinderela, O
Gato de Botas, Rapunzel, Pinóquio, Branca de Neve e os Sete Anões, João
e Maria, Soldadinho de Chumbo, O Patinho Feio...
Não levava os livros para casa, lia na casa dela.
Essa minha paixão pelos livros e letras é uma
longa história...
Bom sábado!