Borboletas - Da Guerra à Paz


Na Horta Comunitária há pássaros como o sabiá-laranjeira, sabiá-amarelo e o rajado, que fazem ninhos na mangueira e cantam ma-ravilhosamente todas as manhãs na primavera-verão (no frio, ficam mais reclusos como eu...).

Há também beija-flores que descem do oeste para o leste varrendo toda a área como furacões a procura de água doce (reclamam vigorosamente se esta lhes faltar); rolinhas, sabiás, periquitos.

Há pombos, que aparecem em três esta-ções, exceto no inverno (ninguém é bobo ); lagartixas, que moram nas calhas d'água que descem do telhado (só na época da seca, é claro!); gaviões, que aparecem de vez em quando para comer os ovos dos pássaros; morcegos (só quando há  mangas maduras).

Uma enorme população de minhocas e há também as borboletas.

Estas já representaram dor de cabeça, levando-me à sua perseguição sem tréguas.

Durante todo o ano, há uma quantidade significativa delas sobre-voando as plantas da horta, especialmente sobre as que possuem propriedades importantes para a saúde, como couve, agrião, rúcula, maracujá, capuchinha.

A preferência delas recai sobre as duas últimas.

Lá na chácara que vendemos em 2005 era difícil controlar seus ataques devido ao tamanho da área plantada e à distância maior dos canteiros em relação à casa.

Quando percebíamos, já era!

Os canteiros de capuchinha com lindas flores coloridas haviam sido simplesmente exterminados.

Mas não pensem que as borboletas comem capuchinha.

O que ocorre é que elas põem ovos sobre as folhas verdes já desenvolvidas.

No caso das demais plantas, a situação é pior: agem com aparente covardia, pois se aproveitam da fragilidade das folhas ainda tenras para fazê-las desaparecer.

Em pouquíssimo tempo, as dezenas de ovinhos amarelos deposita-dos nas partes aparentes da folha se transformam em lagartinhas marrons ou pretas,  que de forma mágica se mudam para o lado contrário, onde se instalam como forma de proteção e sobrevivência.

Ali se desenvolvem a custa de devorá-la - como se fossem serras - das beiradas para o centro e sempre pelo lado do avesso da folha.

Em cerca de três dias de come-come, percebe-se que as fo-lhas estão ficando dentadas.

Aparecem então lagartas gorduchas nelas grudadas que, se forem esmagadas, soltam um líquido verde.

Se não, é dali que surgem novas borboletas, que vão por mais ovos sobre as meninas dos meus olhos.

Por causa disso já esperneei e xinguei as borboletas,  principal-mente as brancas, as mais frequentes.

Elegi todas como inimigas e lhes declarei guerra sem tréguas.

Deixaram-me tão paranoica que houve períodos em que eu visto-riava folha por folha e sentia o prazer assassino  de eliminar grupos inteiros de lagartinhas ou lagartas gorduchas que,  camufladas, ha-viam me enganado.

Depois, com a consciência pesada por estar matando um animalzinho em desenvolvimento, comecei a atacar os ovinhos  antes que virassem lagartas.

Mesmo assim, não considera-va correta a minha atitude.

Comecei então a derreter fumo na água e pulverizar as plantas para evitar que as borboletas deposi-tassem nelas seus ovos.

Conversava comigo mesma e admitia que, mesmo com esse progresso, continuava a interferir na natureza, e experimentava a sensação de culpa.

Um dia elas, sentindo-se prejudicadas, resolverem me rodear em bando, justamente quando eu estava aplicando nos canteiros água de fumo com o pulverizador.

Percebi que queriam me expulsar do local, circulando de forma decidida ao redor da minha cabeça  para que eu desistisse daquela tarefa.

Em outras oportunidades, vinham em duplas (vários casais) a me avisarem que ali estavam seus filhos sendo intoxicados com aquele produto.

Pareciam falar aos meus ouvidos.

Coloquei-me em seus lugares e pensei:

- Que tristeza para uma mãe ver seus bebês sendo mortos ou preju-dicados!

- E se elas entrarem para a lista dos animais ameaçados de extin-ção por minha culpa?

Mas, o que  fazer?

Deixá-las destruir todas as belas flores que "... transportam rios de vitamina C" como escrevi na poesia à Capuch-inha?

Depois de muito pensar, surgiu a ideia de definir um local à parte para seu uso exclusivo.

- Não é que deu certo?!

Lá elas têm plantas sobre as quais põem ovos e cuidam dos filhotes em paz.

Agora, estamos convivendo harmonicamente.

Vou fazer-lhes diariamente uma visita oferecendo-lhes água.

Elas, por seu lado, compreenderam que não compensa botar os ovinhos nos de-mais canteiros de capuchinha ou de outra verdura onde haja o risco de serem pulverizados com defensivos.

Mesmo assim, estão sempre sobrevoando toda a plantação, onde lhes desejo carinhosa-mente:

 - Bom-dia, meninas!


Borboletas,
Impossível aos olhos ignorar
Teu voo silencioso
Seguido do escudeiro par;
Buscas leito auspicioso
Para com teus ovos
O verde dourar...
Enlargatar!

Sandra Fayad
Brasília - DF



 

 
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