Obs. Texto narrado por meu pai, Pedro Sabino da Mota (1912/-)
Meu pai, Pedro Sabino da Mota, segurava uma xícara de café e com o
olhar distante, hipnotizado pelo aroma da bebida tônica e esti-mulante e a leve fumaça que o envolvia, me contava:
Quando ele tinha 10 anos (1922), morava, em Sapatuí, Distrito de
Conceição do Almeida (BA) e estava brincando detrás do depósito de pilão
(para pilar café, arroz, sal, dendê...); próximo dali havia árvores de jaca, laranja, etc.
Meu pai escutava e acompanhava o ritmo do socador e de súbito,
fez-se silêncio, prolongando-se mais que o normal.
Achou estranho e decidiu espiar pelas frestas que havia na parede.
Cirilo, um novo empregado da fazenda, após ter socado o café, es-tava assoprando e colocando dentro da
moringa que ele trazia com água.
Saiu correndo e foi denunciá-lo ao seu pai, este não acreditou e disse
que lhe daria uma surra se fosse mentira, porém, foi ao depó-sito e diante do nervoso Cirilo, entornou a moringa.
Constatando-se o roubo, meu avô encheu o vaso de barro bojudo com café, retirou os grãos,
pesou e multiplicou pelos dias que Ciri-lo estava pilando o café, tendo em vista que ele trabalhava
há duas semanas e desde então, trazia a moringa de manhã e a tarde, des-contou este valor no salário que ele ia pagar e o despediu.
O processo de tratamento do café era muito simples: o café era le-vado para o depósito de
pilão para ser amassado com um bastão de madeira, para soltar a película externa.
Os grãos eram despejados numa enorme frigideira com um pedaço de rapadura, mexendo continuamente até torrar por
igual, adqui-rindo o café um tom enegrecido e a rapadura derreter.
O tempo de torra determina a qualidade do produto.
Retornava ao pilão para ser moído, transformando-o em pó.
Mudou-se para o município de Jiquiriça (BA).
Na propriedade rural do seu pai (Fazenda Pindoba), gostava de pas-sear no meio das
plantações de café, quando ocorria a florada: nos galhos havia um botão branco e logo as flores se abririam, prenún-cio de que os frutos estavam para
nascer.
Quando o café já estava maduro (da cor de um vermelho muito vivo), os trabalhadores
avulsos o recolhiam no cafezal com um "cambuá" (cesta feita de cipó e era
amarrada na cintura); acumula-vam o conteúdo do seu trabalho num canto do
terreiro e no fim do dia, era medido com um "caixão de gás"
(caixote que cabia duas latas de gás, cada uma com vinte litros),
recebendo a quantia em dinheiro, de acordo com a quantidade colhida.
A seguir, o café era apanhado com um "panacum
" (cesto fundo e largo de três lados, trançado hexagonal, com alça) e carregado para o
depósito onde havia um jirau (estrado), situado no alto, com aproximadamente três metros de altura.
Na parte superior, eram fixadas várias ripas dispostas na horizontal e vertical e cobertas com esteiras e para chegar lá,
havia uma escada; o café era espalhado ali.
Na parte inferior, no chão, era acesa uma fogueira para aquecer o café e secá-lo; permanecendo neste local por três
dias e remexido com um rodo várias vezes.
O café era transportado para o setor onde estava o rodão, uma grande
roda feita de madeira que, pelo movimento constante e força de um cavalo, pilava o café e em seguida sofria a ação do
so-prador (espécie de ventilador) que fazia voar as cascas e palhas.
Depois era passado na peneira para afinar algum caroço que tenha ficado inteiro.
Finalmente o café era ensacado e vendido.
Meu pai levantou a xícara de café em minha direção, dizendo:
__ Mais um gole, envolto em recordações dos meus velhos tem-pos...
Rosimeire Leal da Motta Vila Velha - ES
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